domingo, dezembro 31, 2006

Última postagem do ano

# Oi, gente! 2006 está acabando e 2007 está chegando!! Pra arrematar esse ano com chave de ouro, um conto da Rita: "Fedja". Aproveitem!
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FEDJA
Por Rita Maria Felix da Silva

Trecho do Diário de Fedja:

# "Oi, diário, faz um tempão que não escrevo em você, né? Me desculpa! É que fiquei tão ocupada estudando para as provas do fim desse período. Prunstz! É tanta coisa, que acho que vou ficar doida! (Melhor isso do que fizeram com a Saraj, aquela mesmo. Não passou nas provas e os pais dela mandaram a coitada praquele internato em Vadejadab. Deuses! O mundo mais chato do universo. Eu ia morrer de tédio lá!).
# Tenho tanta novidade pra te contar! Deixa ver... Oh, estou apaixonada! É, você vai dizer: ‘de novo?!’ Tá bom, tá bom, admito, mas... Rulstrak!!! Eu tô na puberdade!
# Ah, dessa vez é diferente. O nome dele é André. Você vai falar ‘Vrujut!!! Que nome é esse?’ Sei, soa esquisito em nossa língua. Daqui a pouquinho explico porquê. Ele é tão lindo, tão fofo, divino, tão krisp. É perfeito! Nunca conheci um cara que mexesse assim comigo. Penso em André o tempo todo e sonho também! É o mais inteligente da escola, me entende de um jeito que só ele consegue e quando olha para mim... Ah, fico excitada! Ai, queria tanto transar com ele. Hi, hi, hi, pronto: falei! Achei que não tinha coragem de escrever isso. Fiz até um desenho da gente... Bem, você imagina o que a gente tava fazendo no desenho... Hi, hi, hi...
# O desenho ficou tão legal que a Majek, depois de rir um bocado, não quis me devolver. Sei lá, acho que ela é doente... (lembra da Majek, né? Aquela mesma que aprontou a maior vergonha do universo na festa no fim do período passado. Oh, Deuses! Pegaram ela e Amplifrit agarradinhos debaixo de uma mesa. Todo mundo sabe que Majek é uma safada, mas... Urgh! O Amplifrit é nojento! Zrast demais! Eu, nem doida, ia deixar aquele tipo me tocar). Olha, só contei sobre o André pra você e pra Majek. Ela pode ser até meio zansp, mas ainda é a melhor amiga que tenho.
# Falando do André... É, sei que você vai pensar assim ‘tem alguma coisa errada. Você nunca escreve em mim se não tiver alguma bronca pra contar.’ Que mentira, diário! Não te conto só broncas, quer dizer, nem sempre, talvez até quase sempre... Tá, tá, tem uma bronca, sim.
# Tem um problema com André. Um problemão. Quer dizer, mamãe, que deve ser a mãe mais bacana desse sistema solar, nem ela ia aceitar uma coisa assim. Acho que se soubesse sobre ele... Hum, mamãe ia voltar praquele médico que cuidou da cabeça dela quando teve um colapso depois da morte da vovó. Ai, Deuses! Vai ver ela ia ter até outro colapso!
# E papai, ih, esse aí acho que me matava. Sério, não tô exagerando, não é aquele lance de 'metaforicamente', da aula de Literatura, não! Ele me matava, de verdade. Quer dizer, papai não é gente ruim e sei que até se esforça por mim e mamãe... Acontece que ia ser pedir muito pra cabeça dele e, antes de começar a me bater, ia falar de ‘bestialismo’, ‘heresia’, ‘abominação’ e um monte de palavras difíceis que aprendeu com vovô. Acho que estou ficando doida, mesmo, mais até do que a Majek, porque, quando penso no André... Ah, eu enfrentava papai por ele! Viu? Eu tô ficando maluca. Não pode ter outra explicação. Pior que tem: tô apaixonada por ele (já escrevi isso, não foi?)
# E ele também gosta de mim. Se você pudesse ver o jeito como ele sempre arruma uma maneira de ficar perto de mim nas aulas. É tudo tão fronsni, do jeitinho daqueles livros românticos que mamãe ainda lê.
# Mas aí vem aquela coisinha lá no fundo da minha cabeça. Você vai dizer que é medo... Eu sei que a espécie de André já era pra tá extinta faz tempo (graças aos Deuses que não, porque ele é muito lindo!!!). Me contaram que nenhum outro mundo aceitou abrigar o povo dele e muita gente tá odiando nosso governo por causa disso. Tudo bem, sei que é errado gostar dele, que eu devia achar nojento, que a sociedade condena mesmo, que, quando eu morrer vou direto pro Abismo Escuro e Eterno... Etc, etc.
# Sei tudo isso, mas, sabe, não ligo? Engulo o medo e todo dia fico olhando, assim, encantada pro André, só rezando pra gente poder fazer logo coisas mais interessantes do que só olhar...
# Marjad!!! Acho que os deuses não gostam de mim. Vai ver até me odeiam. Quer dizer, isso é maldade: por que eu tinha de me apaixonar, por que quando conheço o cara mais maravilhoso que existe, o amor da minha vida, ele tinha de ser humano?!"

FIM
Dedicado a Mayra Le Fey


Vocabulário de palavras do Povo Zanti (espécie de Fedja), utilizadas neste texto:

fronsni = gíria. Adjetivo. Muito romântico. Uma tradução possível seria “romântico meloso”.
krisp = gíria. Adjetivo. Inicialmente usado apenas para crianças pequenas, depois foi incorporado no vocabulário das jovens zantis para descrever homens muito bonitos de forma carinhosa. Equivalentes em nossa língua seriam “bonitinho”, “lindinho”, “fofinho”, etc.
Marjad = Substantivo. Imprecação. Na mitologia zanti, é o imperador dos espíritos inferiores que habitam o “Abismo Escuro e Eterno” (destino final daqueles que contrariam a religião e a tradição), responsáveis por atormentar os condenados. Aproximações em nossa cultura seriam “Diabo!”, “Diabos!”
prunstz = gíria. Substantivo. Palavrão. Embora usado largamente pelos jovens, seu uso é severamente desaconselhável em público, ocasiões formais e na presença de adultos. Originalmente era uma palavra comum utilizada pelos zantis para nomear o ato sexual. Com o tempo, o termo degenerou-se.
rulstrak = gíria. Substantivo. Palavrão. Igualmente utilizado apenas pelos mais jovens (seu uso por pessoas mais velhas é reprovável). Originalmente, era um termo pecuário e se referia ao animal que se desgarrou do rebanho. Em certo momento, começou a ser usado para filhos gerados fora do casamento, cuja mãe, uma amante, era nomeada pela sociedade como prostituta. Embora tido como ofensiva, a expressão não tem, entre os jovens zantis, essa conotação tão negativa. É usado mais como algo jocoso do que pejorativo.
vrujut = gíria. Interjeição de espanto. Aproximações para o Português poderiam ser “caramba!”, “minha nossa!”, “Meu Deus do Céu!”.
zansp = gíria. Adjetivo. Pessoa tida como muito estranha, louca.
zrast = gíria. Adjetivo. Coisa que se deve evitar ou pela qual se tem repugnância. Quando usado para uma pessoa, é um termo severamente ofensivo. A palavra tem origem na religião zanti e, em sua forma inicial, se referia a hábitos e atitudes dos quais se deveria manter-se distância.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Drácula - o livro

# Dia 11 vai ser um dia decisivo pra mim. Logo depois das doces comemorações de aniversário, vou ter que botar o pé na estrada pra fazer a temidíssima prova de (A)Fundamentos de Mecânica. Tenho que passar a todo custo! Mas como não dá pra estudar Física o dia inteiro sem o cérebro fundir, enquanto eu descansava, carreguei umas pedras e me aventurei a fazer algo que eu já queria há muito tempo: uma análise do livro "Drácula" do Bram Stoker. Já li o livro tem quase um ano e meio, o que me despertou a lembrança de escrever a análise foi um e-mail do Pete que falava que a Desfolhar ia falar sobre literatura inglesa no próximo número.
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Análise de “Drácula”
# O Drácula é uma das figuras mais famosas dos filmes de terror. O cinema já o retratou de várias formas, sendo a mais conhecida a imagem do ator Bela Lugosi com sua capa ondulante, seu cabelo emplastado de brilhantina e seu olhar frio e superior. Porém, quando alguém pega o livro “Drácula” de Bram Stoker, o que se percebe é que a história do conde vampiro é bem diferente da maioria das adaptações cinematográficas que o livro recebeu.
# Para começar, “Drácula” não é uma história propriamente de terror, com o fito de assustar a pessoa e fazê-la perder o sono à noite. Longe disso. É uma história que pretende passar um pouco de esperança a quem lê. Se no fim do livro houvesse uma “moral da história”, como nas fábulas, essa moral seria: não importa o quanto o Mal parece poderoso e imponente e o quanto o Bem pareça fraco: desde que haja trabalho árduo e perseverança, o Bem sempre acabará vencendo.
# Outra coisa é que, antes de ser uma história de monstros e castelos mal-assombrados, “Drácula” é uma espécie de alegoria de luta do Bem contra o Mal. Não dá para dizer se isso era a intenção consciente de Stoker ao escrever o livro, mas a verdade é que mesmo matizes dessa luta estão presentes na história.
# Ao analisar o livro, achei que seria melhor fazer isso pelos personagens, acrescentando ocasionalmente alguma fala deles, numa tentativa de explicitar melhor o papel de cada um deles na alegoria já citada. A análise contém alguns spoilers, mas a verdade é que a história de Drácula já foi tão exaustivamente recontada, que várias surpresas, várias situações de suspense que o autor cria, já nos parecem velhos clichês, a despeito da sensação que devem ter feito na época de lançamento do livro. Cada um fica livre para prosseguir ou parar e ler a obra primeiro.
***

# Transilvânia: Antes de mais nada, é melhor fazer alguns breves comentários a respeito da região mais citada em contos de terror. A Transilvânia não é uma terra triste e desolada como alguns filmes costumam mostrar. É, na verdade, um lugar de belíssimas paisagens e altamente recomendável para turistas. A própria Mina Harker, ao se aproximar do clímax da história, comenta que, sob outras circunstâncias, seria um prazer viajar por uma região tão pitoresca e interessante. O verdadeiro motivo de ser a região escolhida para que a história de Drácula se desenrole é o fato de ser uma área dominada pela superstição.
No século XIX, quando “Drácula” foi escrito, a Europa passava por uma efervescência de racionalismo. Por isso, naquela época, superstição era sinônimo de ignorância. Temos aí nossa primeira alegoria da história: o Mal (no caso, o Drácula) se desenvolve e se torna poderoso em meio à ignorância, simbolizada pela Transilvânia.

# Igreja Católica: Na história, os símbolos sagrados da Igreja Católica exercem o poder de afastar os vampiros. É interessante observar que isso não quer dizer que o catolicismo seja a melhor de todas as religiões. Pode simplesmente significar que a religião como um todo, praticada com a mesma fé demonstrada pelo prof. Van Helsing, é o que há de mais poderoso para afastar o Mal da vida de uma pessoa.

# Drácula: O mais famoso personagem do livro não tem nada de sedutor ou solitário, como popularizado pelos filmes. Ele é uma criatura quase desumanizada, cujo objetivo é espalhar seus “filhos” sobre o mundo e reinar sobre eles. É bastante inteligente, sabe discursar de maneira elegante, possui vastas reservas de dinheiro, mas tem o que o prof. Van Helsing chama de “prodigiosa mente infantil”. Infantil porque não avaliava todas as possibilidades antes de agir. Além, é claro, de seus famosos poderes de transfiguração, sua força, seu domínio sobre os animais e fenômenos da natureza e sua eternidade e o fato de ser conde, ou seja, um nobre, com posição privilegiada em relação aos outros homens.
# Tudo isso leva a crer que Drácula nada mais é do que uma personificação do Mal: ele quer expandir seus domínios e, para isso, dispõe de amplos recursos, em todas as áreas (financeira, intelectual...) e é gentil e melífluo quando quer algo de uma pessoa, não hesitando em descartá-la quando ela não é mais necessária. Só que o Mal não é tão livre como o Bem (Drácula só pode entrar em algum lugar se for convidado, assim como o Mal só entra no coração de alguém se a pessoa permitir) e não possui uma visão muito vasta: ele vê apenas o presente e o “eu”. Por isso, é tão egoísta e cruel.

# Dia de São Jorge: Dia que, segundo a crença romena, todos os males do mundo estão livres para correr pelo mundo. É precisamente o dia em que Jonathan Harker vai para o Castelo Drácula, o que reforça o fato de que Drácula pode estar personificando o Mal como um todo.

# Professor Van Helsing: É a própria antítese do Conde Drácula. O professor é um homem idoso muito inteligente e crítico, que confessa ter sido um grande cético a respeito do tema “vampiros” até estar diante do caso da Srta. Westenra. Ele é tão gentil e respeitoso que é impossível levá-lo a mal. Representa a inteligência usada para o Bem e a mente aberta a novas idéias, por mais estranhas que essas idéias possam parecer. O venerável ancião é uma pessoa de resolução muito mais forte do que as suas palavras doces podem fazer parecer e não hesita diante de nada, nem mesmo diante da reprovação de um grande amigo, para levar sua tarefa ao fim. Nas palavras de Jonathan Harker, “Ele é o homem que nasceu para caçá-lo e desmascará-lo” (ao Conde Drácula).
# Em alguns momentos, vemos também o prof. Van Helsing fazendo uma dura crítica ao materialismo cego do século XIX. Nessa época, nota-se uma verdadeira epidemia de fenômenos inexplicados pela ciência, como as famosas mesas girantes, materializações, transes sonambúlicos... As explicações dadas à época (algumas ainda hoje repetidas) eram capengas e, muitas vezes, resumiam-se a uma obstinada negação que tais fenômenos de fato ocorressem. Em quase todas as vezes, o detrator em questão sequer conhecia a fundo o fenômeno que criticava. Sobre essas pessoas, o professor diz: “Ah! Essa é a grande lacuna da nossa ciência positiva, que continua eximindo-se e recusando a esclarecer todos esses inexplorados ângulos do saber. Ou então, quando pensa que os aborda, limita-se a dizer-nos que nada tem a explicar.” Essa advertência continua bastante atual, é preciso que se diga.

# Jonathan Harker: Um tranqüilo homem de negócios que vai à Transilvânia tratar de assuntos imobiliários com Drácula. Durante as provações que passa no Castelo, fica evidenciado que possui nervos de aço e uma mente fria e lúcida. Ele representa a coragem que surge nos momentos difíceis, mostra que a mais comum das pessoas (um agente imobiliário) pode se tornar um herói se necessário.

# Dr. John Seward: É o próprio retrato do homem comum. Ele é inteligente, mas não é um gênio. Tem bastante bom-senso e bastante senso comum, também. Ora acredita nas palavras de Van Helsing, ora capitula por ser uma idéia radicalmente nova. Apesar disso, uma vez que forma sua opinião, vai até o fim na empreitada.

# Lorde Godalming: o pobre Arthur é o noivo de Lucy e representa o poder e o dinheiro empregados por uma boa causa. Como diz Mina, “Do que ele [o dinheiro] não será capaz, se bem aplicado, e como se torna prejudicial quando dele se faz um uso indevido e vil.”

# Quincey Morris: Ele é a Coragem, com C maiúsculo, um homem que é quase um cavaleiro medieval, tanto em coragem como em fidalguia. Rodou o mundo participando de caçadas e todo o tipo de aventuras.

# Esses quatro homens, Jonathan, John, Arthur e Quincey, podem ser encarados como sendo as facetas do homem ideal. Jonathan é resoluto, corajoso e absolutamente dedicado a sua mulher. John é prudente e leal a toda prova. Arthur é um apaixonado e Quincey, o perfeito cavalheiro. Os quatro unem forças, no decorrer do livro, em torno da imagem da Mulher, primeiro presente em Lucy, depois em Mina. Em alguns momentos, a história pode soar a machismo: os homens não querem deixar Mina participar das confabulações contra Drácula, por acharem que as emoções dessa caçada serem muito forte para uma mulher. Mas o próprio Bram Stoker quebra essa crença, quando faz com que Mina se torne peça chave na busca pelo Conde.
# Prossigamos com a análise das duas personagens femininas.

# Lucy Westenra: Lucy é a própria encarnação na doçura e da pureza. É uma jovem muito sensível e recebe propostas de casamento de três homens: Dr. Seward, Quincey e Arthur, preferindo o último. Sua pureza, entretanto, é maculada pela mordida de Drácula (hum... pressinto uma explicação freudiana aí), que não descansa até matá-la e transformá-la em uma morta-viva, a despeito do trabalho dos três homens que a amavam mais o prof. Van Helsing para mantê-la viva.
# Aí está uma alegoria interessante. Lucy era uma garota pura e inocente até o Mal tocá-la. Enquanto estava viva, ela lutava com esse mal. Logo que morreu, o Mal a subjugou de vez, tornando-a uma criatura cruel e lasciva, por pouco não levando seu noivo pelo mesmo caminho. Isso pode ser encarado como um exemplo de “O homem nasce puro, a sociedade o corrompe” ou de “Deus cria todos os seres simples e ignorantes, mas, através de seu livre-arbítrio, eles podem optar em seguir o caminho do mal”.
# Quando o grupo de homens já citado finalmente espeta uma estaca em seu coração, o Mal a deixa e ela volta a ser pura aos olhos deles, embora portasse o que o Dr. Seward chamou de “os sulcos ali deixados pelo sofrimento e pela natural devastação. Estes, porém, nos eram muito caros, pois apenas revelavam a autenticidade de uma alma que tão bem conhecíamos.” Esses sulcos são a marca de quem se aventura pelo Mal, sofre, mas consegue recuperar sua bondade essencial. Mesmo que as marcas deixadas por esse mal permaneçam, elas são apenas o testemunho de que a alma conseguiu superar uma rude prova.

# Mina Harker (nèe Murray): Cá está. Mina é uma personagem maravilhosa. Ela é a Mulher, a imagem ideal do sexo feminino. Mesmo que os homens tentem mantê-la afastada da perseguição a Drácula, ela prossegue ajudando-os de sua forma. Tem muita percepção e sensibilidade, além de inteligência e capacidade de organização. É eficiente e não gosta de ficar inativa. Quando Drácula a “batiza” com seu sangue, assim como Lucy, ela percebe que foi tocada pelo Mal. Mas, ao contrário de Lucy, ela não se prostra. Permanece ajudando e acaba mesmo desenvolvendo um elo telepático com o Conde que se prova muito útil. Quando vem o clímax, embora ela seja a vítima mais desditosa da eventual falha da caçada, ela se preocupa mais com os perigos que Jonathan corre ao se expor aos perigos e não cessa de agradecer a Deus por ter quatro “bondosos homens” e mais o professor dispostos a morrer por ela.
# Essa imagem de mulher idealizada fica mais evidente quando:
# a) as noivas de Drácula aparecem para tentá-la, dizendo sedutoramente “Venha conosco, irmã!”. O horror e a perplexidade dela são maiores que tudo, apesar de, nesse momento, Mina já estar sofrendo de vários “sintomas típicos” do vampirismo.
# b) o prof. Van Helsing vai exterminar as noivas de Drácula, ele sente toda a sedução delas, seu encanto e sex-appeal. Só consegue terminar a tarefa ao “ouvir” a voz de Mina, um apelo espiritual, mostrando que Mina é algo transcendente, que vai além mesmo dos apelos da carne. Nessa acepção, a moça pode mesmo representar pura e simplesmente o Amor em contraste com o Desejo.
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# Novamente, não nos é possível dizer se a intenção de Bram Stoker era, conscientemente, expressar as idéias acima quando escreveu sua história. Talvez ele simplesmente quisesse escrever uma história de terror. Mas é justamente essa antítese bem-mal presente na história que tanto atrai as pessoas até hoje: a despeito da crença ou não crença que uma pessoa apresente, esse tema muito dificilmente deixa alguém indiferente.
# Vencer as 587 páginas de “Drácula” não será, portanto, completamente vão a quem tiver, como Van Helsing, a mente aberta e despreconceituosa. Apesar da literatura de terror, assim como a policial, ser considerada “subliteratura”, pode-se refletir muito com a leitura desses livros, ou, na pior das hipóteses, pode-se esquecer os problemas por algum tempo e, ainda, ter-se uma mensagem de esperança.

# Para encerrar, algumas das melhores frases do livro:

# “Presumo que nós mulheres sejamos tão covardes que pensamos que um homem nos livrará de todos os nossos temores, e por isso nos casamos com ele.” Lucy

# “Por que não se permite que uma moça se case com três homens, ou com quantos a queiram, acabando assim com todo esse problema?” Lucy, após receber três comoventes pedidos de casamento e só aceitar um.

# “É que o trem deveria partir antes das oito da manhã. Este propósito, entretanto, não foi além da intenção, pois a despeito de minha correria para chegar à estação às sete e trinta, fiquei imobilizado em minha poltrona por mais de uma hora diante da plataforma de embarque até soar o sinal da partida. Parece-me aqui que quanto mais nos afastamos para leste mais aumenta a impontualidade dos comboios ferroviários. Nesta progressão, o que dizer desta pontualidade na China?” Jonathan Harker, em Klausenburgo, Romênia.

terça-feira, novembro 28, 2006

Para publicar no Corujando

# Hum... Acho que já comentei que posso publicar textos de outros autores aqui, mas não disse como. Ô cabeça! Deixa, então, eu explicar tudo direitinho em um mini-curso.

# Como fazer seu texto aparecer no Corujando (em três passos)

# 1 - Abrir a caixa de e-mails;
# 2 - Endereçar um e-mail a strixvanallen@yahoo.com.br e colocar lá o seu nome, pseudônimo, idade e, é claro, o texto. Se quiser escrever "Boa noite, como vai?", pode.
# 3 - Clicar em enviar.

# Simples assim. Vou ler tudo de cabo a rabo e, logo que a chefe der as costas, ponho no ar. Comentários a respeito do texto serão encaminhados por e-mail ao respectivo autor. Eu bem poderia fazer um esquema em que outras pessoas pudessem publicar direto, sem passar por mim, mas como sou despótica, prefiro ter um controle do que vai ao ar.
# É claro que nem tudo que me mandarem vai ao ar. Se o texto se enquadrar em pelo menos uma das categorias abaixo, não adianta nem mandar:

# 1 - Abusa do palavrão (usar é uma coisa, abusar, outra);
# 2 - Pornográfico;
# 3 - Apologia a drogas, violência ou sexo desenfreado;
# 4 - Contém mensagens subliminares de "Leia Paulo Coelho" ou "Ouça mais Funk" ou semelhante;

# Os direitos autorais serão devidamente respeitados e nem um fragmento de texto será usado sem que o autor dê permissão. Plágio é crime e, se for descoberto antes, durante ou depois da publicação, o texto será retirado do ar e haverá notificação ao autor original ou autoridades competentes. Ah, e eu não vou pagar royalties por publicarem aqui. :/

# Titia Strix, você publica poesia?

# Depende. Só se ela tiver menos de cinco versos e/ou contar uma história (poesia épica, prosa em versos, e todo esse blablablá).

# Foi um prazer estar com vocês durante esse curso e até a próxima. :)

# Abraços.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Divagações em um ônibus

# Hum... Isso é o que acontece quando a gente tá em um ônibus parado na estrada: começa a surgir cada uma! Espero que gostem dessas divagações sobre um nariz quebrado. :)

# Sobre um nariz quebrado

# O Zé estava caminhando feliz até o momento em que tropeçou. Caminhava no topo de um morro e, como perdesse o equilíbrio, descera-o, literalmente, rolando.
# Ao pé do morro, havia um muro, que freou a queda de Zé da maneira mais brusca. Como conseqüência, ele quebrou o nariz e trincou um ou dois ossos. Os ossos se emendariam no devido tempo, mas o nariz de Zé apresentaria um caroço grotesco.
# Todos os dias, ao se olhar no espelho e ver o caroço, Zé xingaria a pessoa (e a mãe da pessoa) que decidira colocar lá um muro tão deslocado, tão longe de tudo, que nem sequer delimitava propriedade nenhuma.
# Zé nunca soube que, por trás do muro, havia um precipício.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Mais contos da Rita - 1

# Esse conto da Rita ficou ótimo! Não adianta, ele pode não ser de humor, mas não consigo deixar de rir! :) Abraços!
# PS: Lembrando que todo mundo tem espaço aqui no blog... Desde que eu goste do texto. :P
# PPS: De acordo com um pedido da Rita, as modificações que ela fez no miniconto foram adicionadas.

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# REPRODUZIR-SE
# Por Rita Maria Felix da Silva

# Chamavam a Dra. Naraline, aquela famosa geneticista, de “extremamente egocêntrica”, rótulo que ela sempre negou. Vivia sozinha e era um fracasso em assuntos amorosos.
# Acontece que, ano passado, quando a solidão já lhe ameaçava a sanidade, cedeu à tentação: fez um clone de si mesma, porém, em versão masculina. Com um processo por ela inventado, tornou-o de feto a adulto em poucos dias (e memórias artificiais implantadas deram aquele belo moço um mínimo de entendimento sobre o mundo e as pessoas). Por ele a cientista se apaixonou. Casaram-se em novembro.
# Naraline, agora no quarto mês de gestação, vive feliz com o marido, a quem considera a pessoa mais maravilhosa do mundo.

# FIM

sexta-feira, novembro 10, 2006

Mais contos da Rita 2

# Prossigo com a coletânea de contos da Rita.

# ZONA PROFUNDA
# Por Rita Maria Felix da Silva

# Na Estação Totalidade, na Antártida, guardas e algemas levavam Nikolai para o transmissor da Interface Dimensional. Uma vez, encontrara um viajante do tempo, depois assassinado pela Polícia, que lhe contou sobre o mítico século XXI. A partir daí, Nikolai tornara-se o primeiro revolucionário de sua época.

# "O Governo Mundial é a Utopia sonhada pela humanidade" — foram as palavras do juiz. — "Você luta por democracia, liberdade, e livre-arbítrio, quimeras passadas que ameaçam a ordem perfeita do mundo. Por este crime, estaremos, ainda hoje, enviando-o para a Zona Profunda".
# Dizia-se que a Zona Profunda, onde o Governo despejava os indesejáveis, era, literalmente, o Inferno cristão, um outro mundo também oprimido suplicando por uma Revolução. Algo que Nikolai faria com prazer.

FIM

Promessa é dívida

# Eu disse que iria postar os contos com os outros Harveys e é o que estou fazendo! Esse é o segundo, com o Victor (adulto, assim como a Lídia). Só falta o terceiro. Um pouquinho de paciência, gente!

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Um garotinho assustado
# Mais uma folha de almaço foi depositada sobre a pilha intitulada “prévia da Especialização”. Victor Harvey consultou um livro, anotou a referência, consultou outro livro, atirou-o com insatisfação para o lado, entulhando um pouco mais a mesa. Enfiou a mão no meio dos cabelos verde-bandeira e puxou-os. Fora essa característica berrante, era um Harvey típico: baixinho, sardento, sorridente, cabelos lisos, prodigiosamente feio. O verde de seus cabelos era devido a uma seqüela de um problema na gravidez de sua mãe, que também o deixou com o olho esquerdo paralisado e sensível à luz. Para protegê-lo, Victor deixava a metade esquerda de sua franja crescer até tampá-lo.
# Estava tão distraído que não viu Maria Lúcia entrar no escritório da Universidade. Quando conseguiu percebê-la, ela já pegava livros espalhados no chão e arrumava a pilha de almaço.
# _Deixa disso, Lucy _disse, gentilmente. _Daqui a pouco vou sair para o almoço e trancar essa bagunça até amanhã. Deu pra você olhar onde tem daquela tese?
# _Deu sim, Vitinho _afagou o namorado com uma mão, tirando o lápis dele com a outra. _Só que só tem na Biblioteca Municipal. Pedi pro Zico pegar, mas ele disse para você mesmo ir buscar na hora do almoço. Já são onze e quinze.
# Ele se levantou de um salto e largou tudo onde estava. Tirou uma varinha do bolso e usou-a para fazer sua pasta se erguer do meio da papelada. Trancou a porta, despediu-se de Maria Lúcia e saiu correndo, desajeitado.
# “E o pior é que ele vai continuar nessa loucura até conseguir título de Mestre...”, pensou a moça, desanimada. Ela fazia bem em prosseguir com suas pesquisas históricas.

***

# Victor entrou na biblioteca e foi direto à mesa do bibliotecário. Ele era um homem alto, forte, de barba apontando, cabelos rebeldes e dorso da mão peludo, unhas pretas. Não correspondia, por certo, à imagem popular de um bibliotecário.
# _Zico! Como vai essa vida? _perguntou Victor, sorridente.
# _Vitinho! _apertou a mão dele com dolorosa efusão. _Que bom que você veio. Separei a tese que você me pediu. Será que se importa em almoçar comigo?
# _Claro que não. Ainda mais que estou curioso para saber o que você tem a me contar. Parece sério.
# Zico enrubesceu e baixou os olhos.
# _Deu pra perceber?
# _Ora! Como bom amigo, você jamais me daria o trabalho de vir aqui pessoalmente pegar uma tese se não tivesse algo importante a me dizer.
# _Não é tão importante... _baixou o olho ainda mais. _Provavelmente não é nada importante, mas mesmo assim...
# _Calma. Vamos almoçar, e você me conta.

# Os dois jovens almoçando num restaurante discreto formavam uma dupla muito curiosa: um era enorme e o outro, baixinho. E, no entanto, o grandão diminuía-se diante do pequeno, encurvado-se e abafando a voz.
# _Provavelmente é só uma caraminhola da minha cabeça, Vitinho, mas fiquei preocupado. Espero que me desculpe por fazer você vir aqui só pra ouvir uns temores de velha, mas... É o seguinte: você sabe que eu gosto de conversar com as crianças que vão à biblioteca. Fico tão contente em ver aquelas coisinhas em meio aos livros! _de fato, Zico era bem popular entre as crianças por seu hábito de carregá-las aos ombros para elas alcançarem prateleiras altas. Ao mesmo tempo, elas não o desrespeitavam como faziam com o bibliotecário anterior justamente por ele ser alto e de aparência tão intimidadora. _Pois bem, uma das crianças mais constantes nas leituras, mais empolgada e mais responsável é um menino da segunda série, o Colin.
# “Nós já éramos praticamente amigos, ele até me convidou para jantar em sua casa algumas vezes. Até que de repente... Ele ficou estranho. Esteve aqui para renovar uns livros e mal me olhou. Cortou todas as minhas tentativas de conversa e, antes que saísse, vi que estava amedrontado. Assim, do nada.”
# Parou, embaraçado. Victor estava ouvindo com atenção e encorajou o amigo com o olhar. Já desconfiava do que se seguiria.
# _É claro que fiquei surpreso com essa mudança tão repentina _Zico continuou, em voz baixa. # _Tentei pensar em que circunstância eu poderia causar medo no Colin... E a única coisa que consegui pensar foi... Bem...
# _... que alguém tenha andado espalhando coisas sobre sua família e noites de luar? _perguntou Victor, delicadamente.
# O bibliotecário confirmou e olhou súplice para o amigo. Victor limpou o monóculo (além de ter um olho cego, tinha o outro míope. Desgraça pouca é bobagem) e assumiu as maneiras de quando os dois estavam na escola e ele precisava ajudar Zico nas contas da aula de Feitiços, ou nos detalhes de História e Geografia. Com um olhar paternal e encorajador, pensou um pouco e comentou:
# _Não creio que seja isso, Zico. Você sabe que as crianças de hoje não são como no nosso tempo. Elas acham o máximo dizer às outra que têm um amigo estrige ou que foram juradas de morte por invadir o quintal de um vampiro. Se ele tivesse ouvido qualquer coisa a respeito de sua família, meu amigo, ouso supor que ele redobraria os esforços para cultivar sua amizade.
# _No fundo, eu sei que isso é verdade... Mas o que mais pode ser? Não me lembro de ter precisado xingá-lo uma única vez. Ele é tão bem comportado! Não entendo...
# _Faça o seguinte... _Victor pensou um pouco, franzindo a testa _me dê o nome completo do menino e a escola onde ele estuda. O que acha de jantarmos hoje à noite, você, eu e a Lucy? É bem provável que seu problema já esteja resolvido até lá.
# Zico levantou as grossas sobrancelhas e concordou, desmanchando-se em agradecimentos.

***

# “Colin Hargreaves, 2ª série, Colégio Altavista de Artes Mágicas”. Com essas palavras em um papelzinho, Victor consultou o catálogo telefônico para achar o endereço da escola. Não foi muito difícil, o Altavista era uma das instituições particulares mais conhecidas de Morros Azuis.
Depois de anotar cuidadosamente o endereço, pegou uma agenda telefônica com “Graduação” escrito na capa e folheou atentamente. Com uma exclamação de triunfo, escolheu um nome e anotou-o também. Satisfeito, partiu para se desincumbir da missão de tranqüilizar o amigo.
# Não teve dificuldades em entrar na escola com suas credenciais de professor. Em poucos minutos, estava na presença de um velho conhecido.
# _Olá, Karl! _cumprimentou. _Como vai a vida?
# _Vitinho! Vai assim, assim. Essas pestes me enlouquecem. Gostaria de ver aqueles nossos professores aplicando suas lindas teorias educacionais a essa turminha. Mas que bons ventos o trazem?
# _Estou fazendo minha Especialização, sabe, e tenho desenvolvido minha linha de idéias com base na experiência que estou tendo com alunos de uma escola de periferia. Só que me pareceu interessante checar um ou dois pontos em uma realidade diametralmente oposta e quis assistir a algumas aulas em uma escola particular.
# _Você e suas pesquisas! Nunca achei que a área de Educação comportasse pesquisas! Pelo menos, não pesquisas a ponto de você se tornar Mestre em uma área. E você quer só assistir?
# _Sim, se não se importar. Não vou fazer uma avaliação do seu trabalho, nem nada no gênero. O que me interessa é o comportamento dos alunos e nada mais.
# _Se você realmente quer... Mas não garanto que o comportamento deles vá te ajudar em alguma coisa, não _acrescentou, sombrio.
# Somente na segunda turma Victor achou o que procurava. Durante a chamada, ouviu o nome Hargreaves e quem respondeu foi um garoto que se encaixava bem na descrição de Zico. Tinha uma aura de aluno quieto e aplicado. Estudou-o com cuidado, constatando que seu comportamento parecia bastante normal. Não, não haveria dificuldades em resolver aquele problema.
# O sinal do recreio tocou e ele esperou que Colin saísse. Abordou-o, sorrindo.
# _Com licença... O prof. Ritcher disse a vocês que estou fazendo uma pesquisa, certo? Será que você se importaria em me responder algumas perguntas?
# Colin olhou para o amigo e este deu de ombros.
# _Pode ir, Colin. Depois da cantina, vou pro campo de pólo.
# _Em que posição você joga? _perguntou Victor.
# _Na linha de defesa.
# _É, você é bem alto. Já joguei na linha central. Você também joga... hum... Hargreaves?
# _Não, sou gandula.
# _Certo. Vamos nos sentar um instante. Tentarei não atrapalhar muito seu recreio.
# Sentaram-se em uma mesinha próxima à cantina terceirizada. Victor comprou salgados e refresco para os dois. Enquanto comiam, colocou o menino à vontade com conversas. Depois que terminaram a merenda, avaliou Colin e sua expressão de expectativa.
# _Então me deixe fazer a primeira pergunta, Colin.
O que aconteceu com os livros?
# O pequeno saltou e começou a tremer, mas não respondeu.
# _Estou aqui para ajudar você, Colin. Vim procurar você a pedido do Sr. Fernandes. Ele está muito preocupado com você. Acha que você está com medo porque ele fez algo errado.
# O olhar do garoto mostrou, além de espanto, remorso. Mas ainda assim, ele ficou mudo.
# _Vamos, meu caro. Não precisa ficar com vergonha. É normal a gente errar. Mesmo os adultos mais responsáveis perdem livros, rasgam, deixam coisas entornarem em cima deles... É algo que pode acontecer com qualquer um. Ninguém de bom senso vai achar que você é um irresponsável só porque uma coisa assim aconteceu. Se me contar o que houve, posso fazer alguma coisa. Não vou contar nada ao Sr. Fernandes. Você é que irá fazer isso.
# Colin hesitou muito. Victor ficou em silêncio, lustrando seu monóculo, como fazia sempre que não queria olhar nos olhos da pessoa com quem conversava. Por fim, com uma voz débil, o menino confessou.
# _Alguém pegou o livro. Foi o seguinte: o professor de Literatura passou um trabalho sobre o livro “Maryland”, sabe, e explicou a história do livro. Ele disse que havia apenas uns poucos livros que foram impressos com ilustrações do próprio autor, depois elas foram consideradas de mau gosto e removidas. Aí eu fiquei curioso, porque “Maryland” é uma história tão delicada que não entendi como poderiam ter sido feitas ilustrações de mau gosto. Aí eu pedi pro Sr. Fernandes para ver se tinha esse livro ilustrado na Biblioteca. Tinha, mas ele me disse que era para ter todo o cuidado porque era um livro raro...
# “No dia de apresentar o trabalho, trouxe o livro para a escola para mostrar pros meus colegas as figuras. Aí, deu a hora do recreio. Esperei todo mundo sair da sala e guardei o livro na mochila. O professor trancou a porta e fiquei tranqüilo. No fim do recreio, fui o primeiro a entrar na sala. Quando fui pegar o livro de Contra-feitiços, vi que o ‘Maryland’ tinha sumido e fiquei desesperado. Perguntei pra todo mundo, mas ninguém admitiu que tinha pego. Falei com a professora e ela pediu pra olhar o material de todo mundo. Não estava com ninguém. E o chaveiro da escola disse que não deixou ninguém entrar na sala na hora do recreio. Então... Não pode ter sido ninguém, mas o livro sumiu.”
# Victor pensou um pouco e perguntou:
# _Alguém viu você guardando o livro?
# _Só o Fred. Mas ele é meu melhor amigo. Confio nele _acrescentou, em desafio.
# O rosto de Victor estava muito grave a essa altura. Não tirava os olhos de Colin. Seus óculos de fundo de garrafa, seu jeito de andar meio curvado, seu olhar submisso, seus movimentos desgraciosos. Era impossível não acreditar no que ele dizia. Lembrando-se de sua própria infância, o professor acariciou-o e disse, ternamente, mas com autoridade:
# _Já ouvi o suficiente, Colin. Quero que me entregue o nome do chaveiro e do seu professor de Literatura para que eu possa dar uma palavrinha com os dois. Mas não poderei fazer mais do que isso se você não contar tudo ao Sr. Fernandes. Quando sair da escola, quero que dê um jeito de fazer isso o mais rápido possível. Amanhã ou depois, espero já ter o livro, ou, pelo menos, o culpado. Está bem?
# _Está _murmurou. Uma nota de esperança já era notada em sua voz.

***

# Colin Hargreves foi chamado no meio da aula de Zoologia. Foi levado à sala do diretor e entrou timidamente. Além do diretor, estavam lá Victor, Zico e um homem de farto bigode e ar bondoso.
# Victor chamou o menino mais para perto e entregou-lhe um livro. Colin quase desmaiou ao ver que era o volume raro de “Maryland”. Prendeu a respiração e correu o olhar incrédulo por todos os três.
# _Obrigado! Obrigado! Como o senhor conseguiu, prof. Harvey?
# _Não fui bem eu. Apenas passei a conversa que tive com você ao Inspetor Longfellow e ele fez o que devia fazer.
# O inspetor fez um gesto declinando de si o mérito.
# _Pode me chamar de Darren, professor Harvey. Conte você como chegou à conclusão que me comunicou. Não entrou em detalhes comigo.
# _Nem comigo _aparteou Zico.
# O diretor e Colin olharam para ele com curiosidade, completando o coro de pedidos.
# _Não foi difícil... _lustrou o monóculo furiosamente _Quando Zico disse que Colin estava com medo dele, e que o menino tinha ido renovar livros, logo me ocorreu que poderia ter acontecido algo com esses livros. Era simples.
# “Arranjei um jeito de conversar com o garoto e ele acabou me confessando que um dos livros fora roubado. Até esse ponto, parecia coisa de criança. Alguém roubou o livro porque queria perturbar Colin ou porque o achara bonito. Mas quando Colin disse que cuidara do livro até que a porta da sala de aula estivesse trancada, senti que a coisa era mais grave. É que me convenci de que a única pessoa que poderia ter roubado o livro... Era o próprio professor de Literatura. E tudo o que eu ouvia corroborava essa hipótese.”
# Colin ofegou. O diretor assumiu um ar taciturno.
# _Consegui o nome do professor e fui até o chaveiro da escola. Com um pouco de paciência, consegui perguntar discretamente se no dia do roubo do livro, o professor voltara para pegar algo na sala. O homem respondeu que sim, com toda a naturalidade. Eu já esperava isso. Que um aluno pedisse a chave da sala, isso era estranho, e ele logo associaria ao roubo, mas imagino que os professores freqüentemente esqueçam coisas na sala e ele tenha que abri-la para eles.
# “Outra coisa que notei foi a forma como o professor sutilmente fez com que os alunos tivessem vontade de conseguir o livro ilustrado. Depois de deixar Colin, ainda refleti muito... E cheguei à conclusão que estava diante de um roubo singularmente astuto. Era tão bem bolado que talvez não fosse o primeiro. Pedi a Zico uma lista dos livros valiosos perdidos pela Biblioteca Municipal nos últimos tempos e achei mais ou menos o que esperava: quase todos haviam sido perdidos por gente altamente respeitável: crianças, senhores e senhoras, pesquisadores... Fui, então, procurar Mr. Darren.
# _Desde o roubo da Jerand Bijou, _disse Darren, cofiando o bigode _achei que não veria outro roubo tão bem bolado. Mas o Victor conseguiu me surpreender. Aliás, o caso da Jerand também foi resolvido com a ajuda de uma Harvey, não? Mas prossiga, meu amigo.
# _O resto é bem simples, realmente, desde que eu já dava por certo que havia roubo. Os ladrões da quadrilha a que o professor de Literatura pertencia tinham um plano muito inteligente: eles incitavam pessoas acima de qualquer suspeita a pegar um livro raro. Olhem para Colin. Algum bibliotecário recusa um livro, qualquer que seja, a um menino com tanta responsabilidade estampada no rosto? Ou a uma senhora simpática? A um universitário em processo de Mestrado? Recusa, Zico?
# O homem balançou a cabeça, sentencioso.
# _Pois bem! Depois que essas pessoas pegavam o livro, o ladrão simplesmente se apossava dele e fazia parecer que o livro se perdera. A pessoa responsável pelo livro ficava desesperada, compensava a biblioteca como podia, e o exemplar raro era vendido sem problemas. O crime era tão perfeito que nem se chegava a aventar a hipótese de roubo. Enquanto isso, nosso patrimônio público cultural ia sendo dilapidado. Um plano terrível, que poderia ter continuado por anos, se não fosse a preocupação de Zico com um pequeno leitor.
# Darren aprovou várias vezes com a cabeça e acrescentou:
# _O livro ainda estava com o tal professor. Ele não tinha por que ter pressa de vender. Pegamos os outros sem maiores problemas, ele denunciou os colegas para ter a pena diminuída. Mal posso acreditar que a simples mudança de comportamento de uma criança colocaria a polícia no rastro de ladrões tão engenhosos. A cidade tem muito que agradecer ao prof. Harvey, ao Sr. Fernandes... e a você, é claro, Hargreaves. Aqui tem algo para se lembrar de sua aventura. Da próxima vez que algo sumir ou estragar, não hesite em contar ao adulto responsável.
# Pôs um pequeno broche da polícia na lapela de Colin, que estufou o peito com orgulho. Virou-se, então, para Zico e entregou o volume nas mãos dele com toda a solenidade.
# _Dê baixa dele para mim, Sr. Fernandes. Desculpe por não ter contado antes. Isso não vai acontecer de novo, eu prometo.
# _Assim espero, Colin. _Despachou-o, com um tapinha nas costas. _Volte lá para sua aula.
# Darren despediu-se de Victor desculpando-se, mas tinha assuntos a resolver com o diretor. Uma vez fora da escola, o professor pôs a mão no braço de Zico (era para ser no ombro, mas ele não dava altura) e comentou, suavemente:
# _Não fique assim, tão quieto. Você ainda não tem muita experiência com crianças, mas vai chegar o dia que poderá saber bem mais que eu. Não foi sua culpa não ter percebido os roubos, nem não ter achado que o motivo de Colin ter medo de você tinha a ver com livros. No seu lugar, tenho quase certeza de que pensaria o mesmo. É por isso que é bom consultar alguém de fora, como você fez. Quem pede ajuda é mais sábio que quem não sabe o que fazer e não deixa o orgulho de lado.
# “Amanhã é sábado e vai haver uma pequena reunião de família em Distópolis, o Ítalo e a Lídia vão estar. Você está convidado, viu? Estou voltando para a faculdade para continuar minha tese, espero você amanhã. Sem desculpas! A lua ainda está minguante, que eu sei.”

quinta-feira, novembro 09, 2006

Contos de fadas

# Esse é um texto da Rita que eu particularmente gosto. Vou colocar porque estou com um ânimo humorístico hoje. E Peter Withehill é meu representante preferido dessa família. :)
Divirtam-se!

O CONTRÁRIO DA SORTE
Por Rita Maria Felix da Silva

# Como? Claro que sou ateu! Mas isso não me impede de amaldiçoar os deuses (é terapêutico), o que faço mais uma vez, enquanto o lobo fica andando em volta da árvore, esperando o galho onde me refugiei se partir. O que vai acontecer logo, logo. Meu nome é Peter Whitehill. Iria ficar ótimo na lápide, isso é, se houvesse chance de fazerem um funeral para mim, algo remotamente possível.
# Repito que tudo isto só pode ser uma alucinação, acontece que os dentes da fera, brilhando de fome e fúria lá embaixo, insistem em me contradizer.
# Jeito ruim de terminar o dia. Comecei no meu apartamento, emLondres, concluindo um experimento com teleportação trans-dimensional (você deve ter lido sobre isso em meu blog). Eu ia ficar rico e famoso, o bastante para me vingar daqueles sabichões da comunidade científica, que zombaram de minhas teorias, e das garotas metidas que achavam melhor sair com qualquer outro cara. Mas escrevi alguma linha errada no programa controlador daquela engenhoca. A coisa toda explodiu e... Bem, veja só aonde vim parar. Pelas referências, deduzi bem rápido onde era, afinal nunca me chamei de "gênio do século" à toa.
# Todavia, não questione minhas boas intenções (sempre me considereia melhor pessoa do mundo): quando abri os olhos naquela cabana e vi um grande lobo bípede, vestido de camisola branca, perseguindo uma menininha de capuz vermelho, aquilo me revoltou. Atirei contra o monstro o objeto mais próximo de mim (um penico e nem quero imaginar o que a Vovozinha deixou lá dentro). A garotinha fugiu e já deve estar na China (quer dizer, se existir uma China nesta dimensão maluca).
# O lobo fica arranhando a árvore e solta um palavrão dos mais indecorosos. Quero me segurar com toda a força, porém escuto o galho se quebrando. O rosto do lobo fica radiante. O irônico é que esse nunca foi meu conto de fadas favorito. Me dava pesadelos. Amaldiçôo os deuses pela última vez na vida.

FIM
Dedicado a Mhel

quinta-feira, novembro 02, 2006

Ainda pra ganhar tempo

# OK, OK! Eu vou cumprir minha promessa, juro! Mas enquanto não dá (tive duas semanas de prova, gente, me aliviem!), lá vai um pequeno texto, que até hoje não sei dizer se é mini-conto, crônica ou o quê. Bjim!

É aqui

# Em tempos corridos e capitalistas como esse, o campo é encarado de forma poética, o refúgio de uma cidade fria e agitada.
# Sei de uma historinha curiosa a esse respeito. Relaxa, é pequena, prometo. Se ajeita aí na cadeira e ouve, depois vai dar tempo de você terminar seu trabalho, eu garanto.

# Está vendo aquele homem ali de terno, o celular quase fazendo parte do corpo, cabelos cada dia mais ralos? É um rico empresário. Tem pressão alta, não dorme sem remédios. Solteirão. Não vive, negocia.
# Dizem que o Natal amacia os corações mais duros. O Natal daquele ano foi encontrar o rico empresário com o celular desligado, descendo de sua limusine blindada, às portas de uma fazenda.
# Logo que ele chegou na porteira, inspirou profundamente o ar puro. O ruído de grilos e pássaros era um silêncio ensurdecedor para ele. Caminhando junto ao homem que queria lhe vender a fazenda, o ricaço ouviu um cão latir longe como um sonho, a bica em sua eterna cadência, o vento nas folhas das árvores.
# Um bosquinho no limite da propriedade fervilhava de vida. Havia micos. Pássaros. Talvez até onças. O riozinho cristalino, entretanto foi o que encheu os olhos do empresário. Cheio de peixes, pedras no fundo... Esse barulho de queda é uma cachoeira?
# “É aqui!”
# Cheio de natureza, a alma silenciada, ele fechou o negócio e comprou a fazenda. Um presente de Natal para ele mesmo.
# No dia 26 de dezembro, bem cedo, retirou-se a placa com o nome da fazenda, “Arcádia”, e colocou-se outra: “Em breve, neste local, X Siderúrgicas S/A monta uma nova fábrica. Muitos empregos! O progresso chegou ao campo!”

segunda-feira, outubro 23, 2006

Esse é obrigatório

Oiêss!!!!! Como ainda não acabei as histórias dos Harvey, aí vai o meu primeiro conto curto (antigo pacas, mas enfim...), que já postei no meu antigo fotolog, numa lista de discussão e meio mundo já leu. Detêm o recorde de uma página de word e dois parágrafos: nenhum outro conto meu é menor. Ou melhor, "É aqui" é menor, mas acho que ele se enquadra melhor na categoria de crônica. Qualquer hora, posto pra vocês mesmos julgarem.

Uivos

#Cheguei tarde aquela noite. Um acidente de trânsito envolvendo um motoboy e um alguém que bebeu além do ponto causou um enorme engarrafamento. Que ainda não tinha terminado quando desci do ônibus e resolvi vir embora a pé. Cheguei tão exausta que nem vi a pia lotada de vasilhas, as bolas de pêlo voando chão a fora, o cesto de roupas cheio... Meu banho nem de longe foi quente e relaxante, se eu não poupasse energia, ela seria cortada por falta de pagamento.
#Já havia me largado na cama, feita há mais de uma semana e cheirando mal pelas noites que desabei suada, sem ânimo para tomar banho. #Estava de olhos fechados quando ouvi um uivo. Longo, sentido, profundo... Saltei da cama como se tivesse levado um choque e fui até a janela. À minha frente, a janela de um edifício. Ao meu lado, também. Do outro, a parede do meu próprio apartamento (apartamento? Um apertamento, isso sim!) e lá em cima, bem lá em cima, um pedacinho do céu coberto de nuvens, numa palidez mortiça. A Lua estava crescente, com um brilho opaco por causa das nuvens.
#Respirei fundo aquele ar pesado e sufocante, bem diferente da minha amada cidadezinha natal. Não ouvi o uivo de novo e fui me deitar, contrariada. Dormi o sono pesado e sem sonhos de quem teve um dia estressante e mil problemas financeiros a atormentar.
#Na noite seguinte, entrei em casa já devorando um pão com presunto. A fome falara mais alto. Apenas joguei água fria no rosto, amarrei o cabelo, pus um pijama. Antes de alcançar a cama, o uivo. Ainda mais carregada de emoção. Estremeci, mas o ignorei, prosseguindo. De novo. Parei. Mais uma vez. Estava me chamando? Pus a cabeça para fora da janela e busquei a direção do uivo. Onde estava o cachorro? Era cachorro? Ora, é claro que é, o que poderia ser? De rua? Em plena Belo Horizonte, não. Estaria atropelado ou na carrocinha. E que prédio aceitaria um cão que uiva tão alto? Pensando bem, naqueles formigueiros humanos com, às vezes, mais de dez apartamentos por andar e brigas constantes, alguém notaria o cão?
#Ah, minha Antônio Carlos! Saí de lá em busca de emprego, vendi a casinha que herdei de meus pais para começar a vida na capital, e agora? Chorei desamparada e quis responder aos uivos naquele mesmo tom sentido, mas o impulso se foi e apenas chorei. Melada de suor e lágrimas, finalmente dormir.
#Na noite seguinte, não quis voltar para casa (aquele buraco de periferia não era minha casa!), mas o cansaço me obrigou. Antes de entrar, olhei para a Lua. Quase cheia. O outro dia seria o plenilúnio.
#Assim que cruzei a entrada, o uivo. Sentei-me na cama e enterrei minha cabeça nas mãos. Dessa vez, não morreu meu impulso de respondê-lo e pus toda a minha angústia e saudade na voz. Ao me sentir mais aliviada, lembrei-me dos acontecimentos de cinco dias atrás: comia um sanduíche de presunto (não sei se deu para perceber que é meu favorito), quando um vira-lata começou a me seguir. Parecia um lobo, mas tinha as pernas muito compridas e um tom dourado no pêlo. Com pena, dei-lhe um pedaço do meu sanduíche. Ele avançou com tal voracidade que por pouco não arrancou meus dedos. Tive que enfrentar uma fila de posto de saúde para ser mal atendida e levar uma vacina anti-rábica. Um dia inteiro para isso!
#Engraçado como eu me lembrava desse incidentezinho naquele momento! Retirei os bandeides de meus dedos e não vi machucado nenhum. Desapareceram?
#Na próxima noite, não voltei para o apartamento. Logo que o disco lunar surgiu triunfante entre as nuvens, corri feito louca. Não esperei o ônibus que me levaria ao metrô que me levaria a outro ônibus. Saí de lá pela cidade, era só saudades da minha terra. Encontrei o cachorro que uivava. Era o mesmo que me mordera. Senti-me tão igual a ele que me assustei. Desandei a correr sem perceber que começava a andar de quatro.

***

#Acordei com uma solidão maior que nunca. Porque compreendi a verdade: a Lua se fora, mas eu não deixaria de ser um animal. Nunca.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Dobradinha - 2

Deixa eu fazer uma pergun# Agora, o meu continho. É o primeiro de uma pequena série que quero fazer com os três primos Harveys. Os outros dois já estão a caminho!


>>> O conto que estava aqui, O Diamante Laranja, foi publicado na coletânea Paradigmas 4. Yay! <<<<

Dobradinha - 1

Vou postar hoje uma dobradinha: o primeiro texto é de uma escritora que admiro muito e que tem tudo para crescer bastante no ramo: a Rita. Mais para frente, vou escolher alguns dos contos dela que mais gostei até hoje e colocar aqui, mas só quando eu estiver em Barbacena com meu PCzinho lindo do meu coração! (risos)

Segunda Versão
Por Rita Maria Felix da Silva


— Você parece cansada.
— Um pouco. Muito trabalho nessa fase do projeto. E você é muito
preocupado
comigo... Mais que o normal.
— Gosto de você.
— Eu sou casada.
— E está pensando em pedir divórcio de um de seus quatro maridos, não
é?
— Sim, mas não sei quem lhe contou. Olha, você é legal, um bom amigo,
mas...
Deixa para conversarmos sobre isso depois. Veja só: ela está quase
completa!
— Ainda me pergunto porque sugeriram que começássemos com uma fêmea...
— Por favor... Machismo não combina com você. E em muitos mitos da
criação,
por toda a Galáxia, tudo começa com uma fêmea.
— Hum... No caso da espécie dela, havia vários mitos em que o começo é
um
macho. Mas não quero discutir Mitologia. O que importa é que ela atinge
a
puberdade ainda hoje. Talvez antes do crepúsculo dos sóis gêmeos, vamos
poder acordá-la.
— Nós a desenvolvemos do zero a partir de seqüências de DNA. Hoje vai
ser
como o nascimento para ela. Me pergunto como ficam detalhes tipo a
personalidade, a psique...
— Deixa que a equipe de Psicologia cuide disso. Estou com fome. Vem
comigo
ao refeitório? Aproveitamos para continuar aquela conversa.
— Certo.Os computadores podem continuar deste ponto. Vamos lá. Não se
maravilha com o que estamos fazendo aqui?
— É só um trabalho. Me pagam e eu faço.
— Me preocupa a controvérsia envolvendo este experimento, toda aquela
discórdia no Conselho Galáctico sobre o aspecto moral de trazer de
volta,
através de clonagem, espécies extintas. Essa prática havia sido
abandonada
faz muito tempo e nós estamos recomeçando justamente por um dos casos
mais
polêmicos...
— Deixa os políticos brigarem. Sabe, cresci ouvindo histórias sobres os
seres humanos. Nunca me empolgaram.
— Também cresci ouvindo isso. Ora me encantavam, ora me horrorizavam,
mas
sempre fui fascinada por eles. Já tem um nome para nosso espécime?
— E precisa?
— Claro. Lembrei de um mito humano da criação. Acho que poderíamos
chamá-la
de “Eva”.
— “Eva, a primeira da nova espécie humana”. Soa bem.
— Ei, me ocorreu uma coisa: quando ela souber que nós a “fizemos”, vai
pensar que somos algum tipo de “deuses”... Não é engraçado?
— Por favor, não diz uma besteira dessas para mim. Afinal, eu sou ateu.

FIM
Dedicado a Agnes Mirra

sexta-feira, setembro 15, 2006

Depois de ter perdido a senha... A volta à vida!

# Olá!! Perdi a senha do blog a alguns meses e só recentemente consegui recuperá-la. Para compensá-los, um pequeno texto de ficção científica. Ele foi feito na oitava série. Era para ser uma redação em dupla, meu amigo e eu chegamos a definir o esqueleto do texto, mas cada um escreveu um texto com um fundo diferente. Espero que apreciem. :)


KSJ


# Em sua própria casa, Kevin Stanvitch, grande especialista em robótica, termina sua maior descoberta.

# Era um sábado e JK entrou sorrateiramente em sua casa. No seu quarto, escondeu o skate e o capacete. Tirou um lenço que cobria seu rosto e trocou os óculos escuros por grossos “fundos de garrafa”. Kevin Stanvitch Júnior seguia as pegadas de seu pai e, apesar da pouca idade, já estava em vias de se tornar autoridade em robótica também. Tinha até medo do que poderia acontecer se alguém soubesse que ele acabara de ganhar um campeonato de skate.
# Procurou seu pai pela casa toda, sem sucesso. “Bem” pensou “só falta o ‘laboratório’”. O “laboratório” era o porão da casa, onde ficavam toneladas de anotações e alguns ensaios de invenções que o Stanvitch pai fazia por conta própria. Lá, só estavam a cadeira de rodas e as muletas de seu pai. “Ué” pensou de novo “onde ele pode ter ido? Visitar a mamãe?” (Era filho de pais separados) “Não... Como ele foi sem a cadeira e as muletas? Andando?”
# Algo no computador ligado chamou a atenção do garoto. Um programa parecia estar processando um amontoado de letras sem sentido. Quando foi tentar descobrir o que era, o computador brilhou muito forte e Kevin desmaiou.
# Um barulho esquisito o acordou. Ele estava em uma cidade em ruínas. O clima era quente, o Sol, escaldante e várias máquinas pairavam a meio metro do solo. Um deles parou diante de JK e lançou-lhe uma luz, como que o escaneando. Ao terminar, literalmente gritou “impossível, impossível” e entrou em curto com uma pequena explosão. Isso atraiu a atenção dos outros... Bem, dos outro robôs ao redor.
# Ainda sem entender nada, Kevin notou um círculo vermelho sendo projetado em sua testa e uma voz metálica que dizia “Alvo travado!”. Assustado, soltou um grito e começou a correr feito louco. Logo, vinte robôs estavam em seu encalço. Como desgraça pouca é bobagem, o chão cedeu embaixo dele. Tonto, JK observou que estava em um vagão sem rodas, movendo-se rapidamente por eletricidade estática.
# _Aiaiai! _choramingou o rapaz. _O que é que está acontecendo? Onde essa loucura toda vai dar?
# Ao final do trilho, havia algo que lembrou a ele filmes de ficção científica, covil de vilões futuristas e salas de comando de super-heróis. Era uma sala branca, arredondada, onde pessoas vestidas de branco circulavam para lá e para cá, mexendo em máquinas. Um deles, que se aproximara, comentou:
# _Que encrenca, hein?! Quem é você, que faz um robô entrar em curto, foge de vinte e não tem um circuito no corpo?
# _Antes de mais nada, _respondeu Kevin, desconfiado _que loucura é essa de robôs, circuitos no corpo, vagões subterrâneos...? Há poucos minutos, eu estava no porão da minha casa...
#O homem olhou para ele de um jeito curioso.
# _Como assim, que loucura é essa? Nem parece que vive em 3028...
# _3028??!! _exclamou Kevin, fazendo a baba voar. _Ah, não, isso agora já é apelação! Eu estou sonhando, é isso, é o cansaço...
# _Credo, menino, você está me assustando! Vamos começar do começo. Meu nome é Cyril. Qual é o seu, e de onde você vem?
# Acalmado pelo tom brando do homem, JK respondeu devagar:
# _Meu nome é Kevin Stanvitch Júnior e eu estava na minha casa antes de... antes de surgir aqui.
# _Ahn? Agora, você é que está brincando. Kevin Júnior foi um dos pioneiros da tecnologia robótica que usamos hoje e morreu há séculos, antes da terceira guerra mundial, que transformou 60% do planeta em deserto. O descendente mais direto dos Stanvitch hoje é o Richard... _apontou para um menininho escondido atrás de uma máquina, que espiava a conversa.
# Kevin passou a mão pelos cabelos e fechou os olhos, suspirando.
# _Tudo bem. Não tem mais graça. Eu vou acordar. É só um pouquinho de esforço e eu acordo.
# Decidido, Cyril enfiou um cotonete na boca de JK, raspou a bochecha dele suavemente e colocou num aparelho que lembrava um PC de 2002, mas era visivelmente outro tipo de equipamento. Em poucos minutos, ele informou:
# “Análise de DNA concluída: Kevin Stanvitch Júnior, 1987 – 2079”
# Todos no laboratório pararam e ficaram olhando JK de olhos arregalados.
# _Isso é impossível! _o menininho chegou perto de Kevin, esbravejando. _A tecnologia de viagem no tempo é proibida em todo o planeta! C-como você veio parar aqui?!
# Ele não soube responder e apenas conseguiu balançar a cabeça e gaguejar. Seu interesse científico, porém, estava ativo e notou que Richard tinha muito mais peças metálicas do que qualquer um na sala. Perguntou-se por que.


# Foram precisas muitas explicações para Kevin entender. Estava na Terra do ano 3028. A partir das pesquisas da família Stanvitch, foi possível ao homem substituir partes do corpo defeituosas por partes robóticas, e diversos tipos de robôs foram criados.
# É claro que não demorou até que os ricos e os ambiciosos usassem a tecnologia para explorar. A reação da maioria pobre da população veio só em 3000, em uma grande guerra mundial. A natureza, já grandemente debilitada, piorou. Mais da metade da Terra virou deserto. Alguns pobres conseguiram pôr a mão em equipamentos vitais e formavam um grupo subterrâneo de resistência que passava por inúmeras dificuldades. Mas a maior parte da população continuava escravizada, em condições ainda piores. Dr. Cyril, o homem que recepcionara Kevin, era o líder da resistência naquele setor. Richard, genioso e cabeça-dura, era o último a levar o nome Stanvitch.
# O que o Dr. Cyril sugeria era que Kevin voltasse ao passado e, da forma que fosse possível, tentasse alertar as pessoas e amenizasse os problemas futuros. O difícil era pôr essa sugestão em prática, já que, para voltar ou avançar no tempo, a tecnologia era proibida e muito vigiada. Nas ruínas em que JK chegara, porém, deveria haver alguma brecha dessa vigilância, alguma máquina que estivesse criando uma distorção no tempo-espaço. Alguém tinha que ir lá conferir.
# Com toda a coragem de que dispunham, Kevin e Richard se ofereceram. Receberam os equipamentos necessários e algo com o que pudessem se defender. Subiram no vagão que transportara Kevin mais cedo, o coração pesado. No caminho, Richard respondeu a uma pergunta a respeito do século 31.
# _É horrível! Ninguém tem liberdade! As pessoas se enchem de circuitos por qualquer coisinha, e com isso perdem a privacidade, já que todos são conectados a um sistema. Fica cada vez mais difícil separar o que é máquina e o que é homem. Pessoas se apegam a inteligências artificiais, que podem moldar a seu bel-prazer e deixam as inteligências reais de lado... As armas são terríveis e a violência, estratosférica! Já que você vai voltar, faça alguma coisa, por favor! Talvez fosse melhor que isso tudo nem tivesse começado!
# Chegando às ruínas, Richard explicou que aquele lugar, antes da guerra, era o Instituto Stanvitch, o principal centro de pesquisas robóticas do mundo. Até ser bombardeado e destruído, o Instituto pregava que a tecnologia que desenvolvia era para ser usada somente para fins pacíficos. Antes de se tornar o gigante que era na época áurea, o Instituto tinha sido a residência da família Stanvitch por gerações.
# Kevin olhou aquelas ruínas com uma pontada de carinho. Não sabia exatamente por que, mas se sentia particularmente tocado pela visão daqueles restos de muros e de fachada. Era como se fosse um pedaço dele mesmo.
# Se escondendo dos robôs, os garotos percorreram o prédio procurando algo que eles nem mesmo sabiam o que era. Foi Richard quem primeiro detectou uma velha máquina enferrujada que, por algum motivo, estava ligada. Atrás dela, estava um busto de bronze partido que mostrava um homem de olhar triste, pousado no infinito, com as iniciais KSJ. Kevin e Richard se entreolharam por uma fração de segundos, antes que um brilho vindo da máquina ligada ofuscasse os dois. Depois que o brilho sumiu, a máquina desligara sem mais nem menos e Kevin havia sumido. Richard ficou sozinho nas ruínas de seu lar ancestral, torcendo para que, quando acordasse, algo estivesse diferente.


# Em sua casa, JK estava debruçado no teclado do computador de seu pai. Os olhos estavam pesados e cheios de areia. “Eu sabia. Era só um sonho...” Olhou tudo ao redor. Era um refresco aquela paisagem familiar e aconchegante, depois de todos os horrores que seu cérebro produzira nas últimas horas.
# “Tenho que maneirar nos exercícios com o skate.”
# Abriu os arquivos em que estava trabalhando em conjunto com o pai nos últimos meses. Era nada menos que um nervo artificial, que poderia substituir aqueles partidos num acidente, quando a pessoa ficava paraplégica, por exemplo. Quanta gente não poderia dar adeus a cadeiras de rodas, muletas, macas e todo o resto! A começar pelo próprio Dr. Stanvitch, paraplégico desde a infância.
# Será que o futuro seria algo como aquilo que ele vira em seu sonho? Será que ele e seu pai não estavam, sem querer, construindo um futuro de guerra e destruição? Não seria melhor parar com aquilo tudo ali, quando estava no começo?
# Se Kevin apagasse todos os arquivos daquele computador e queimasse todos os papéis daquele “laboratório”, levaria anos até que a pesquisa voltasse ao ponto que estava. Talvez nem voltasse mais. Será que ele devia...?
# Relendo tudo, JK não teve coragem. Eram muitos anos de dedicação, a vida de seu pai. Em troca daquele trabalho, Kevin Stanvitch pai tinha trocado seus melhores anos e seu casamento. E, além disso, o garoto raciocinou com amargura, a Ciência não é feita com pesquisas isoladas. Se os Stanvitch não desenvolvessem aquilo, outros desenvolveriam. E talvez os outros não sustentassem até o fim que aquela tecnologia era para a paz e não para a guerra.


# O Dr. Stanvitch acabava de mostrar em cadeia nacional como recobrara o movimento das pernas graças a circuitos eletrônicos. Ao fundo das fotos do grande cientista, podia-se ver aquele que diziam que seria seu sucessor. Era um garoto de ar melancólico, que, até o fim de seus dias, deveria pedir perdão todas as noites a seus descendentes por não ser capaz de abandonar tudo pelo futuro...

segunda-feira, maio 22, 2006

O melhor fim de semana da minha vida!

# Olá!! Esse fim de semana foi um dos melhores da minha vida! Visualizem:
# Show do Barão Vermelho. Primeira fila. Lugar em volta o suficiente para pular, abrir os braços ou ficar parada sem que ninguém me pisoteasse. Sem brigas. Sem bebedeiras. Sem drogas. Sete horas da noite no inínico, oito e meia, no fim.
# Sim!!!!!!!!!!!!! Isso não é promessa de político!! Isso existe e se chama X Festa do Empregado da CEMIG. A CEMIG pode não ser a empresa mais santa e mais bondosa com seus empregados, mas, se não é uma mãe, é pelo menos uma madrasta boazinha! Tenho que agradecer por essa oportunidade única. O show que fui, dos Titãs, tb foi assim, só não me lembro em qual aniversário da CEMIG foi ele. No do Skank, infelizmente deu briga, mas foi um ano que não-empregados ou não-dependentes podiam ir.
# O show foi incrível, eles abriram com "Menor abandonado", uma das minhas preferidas, amei. \o/ Tocaram "Codinome Beija-Flor" intercalando suas vozes com a do Cazuza, num DVD, o que ficou show!!
# Quem me conhecem, sabe que sou uma garota de hábitos retraídos, que prefere a solidão do seu quarto e a 5ª de Beethoven, mas ora! não me arrependo nada de ter pulado, gritado e esgoelado, me entupido de pipoca e algodão-doce grátis, e todo o resto.
# A única coisa que lamentei foi não ter ido à estréia de "O Código Da Vinci" com o Victor e o Vinícius, mas eu estava recepcionando minha mãe e meus irmãos. Acreditam que eu até sonhei com isso, depois? :P É a saudade...
# No mais, a faculdade está legal, tirei 29 em 33 em Cálculo I e aguardo a próxima prova de GAAL, que será amanhã. o_O" Me desejem sorte!!

segunda-feira, maio 08, 2006

Até que enfim, mais um post!!!

# Olá. povovski!
# Tinha um tempão que eu não atualizava, o motivo é que eu preferia meu fotolog, por ser mais conhecido.
# Muita gente tem perguntado sobre minha vida universitária, por isso aí vai um resumo:
# Sim, eu sofri trote. Mas o pessoal da química foi bonzinho e me deixou sair antes de ter que pedir esmola pra tomar cerveja (aliás, eu nem ia tomar) porque tinha que pegar um ônibus pra BQ. Fiquei coberta de tinta verde, vermelha e preta, além de ter um bigodinho pintado com canetinha que levou um século para sair. -_-"
# O bandejão tem uma comida boa, sim, apesar da fama. Ainda não sofri o efeito sonolência que atribuem a ele porque só como arroz integral. :D A verdade é que estou preferindo almoçar no ICB (Instituto de Ciências Biológicas) porque tem mais variedade e, por incrível que pareça, sai mais barato. Fui conhecer o famoso macarrão da Química também. Gente! É macarrão que não acaba mais! Tinha cebola (eca!), mas dava pra separar. A gente ainda ganha um suquinho de brinde. ^_^
# Já tive aulas de laboratório e, em uma delas, o professor jogou sódio na água e explodiu, passando a milímetros do rosto dele e colorindo o teto de pingos rosas de fenolftaleína. \o/ Foi emocionante!
# As primeiras provas já passaram, mas tudo o que eu sei é que fui bem em Química Geral, as outras matérias não deram nota ainda. :# Quântica é uma viagem!!! O professor garante que "nada é alguma coisa" e que os átomos podem ser ondas! Fala sério!!!!!!! Estamos vendo que nossos professores de química mentiram descaradamente todos esses anos!
# Estou aproveitando o horário livre, já que a professora de Cálculo I faltou e não nos avisaram. A turma ficou revoltada, porque segunda SÓ TEM aula de cálculo. :PPP O pior é que ouvi falar que isso é comum! Deus nos livre e guarde!
# Estou fazendo lentos progressos com o esperanto. Espero aprendê-lo antes de fazer as aulas de inglês (blerght!) e o tão suspirado curso de francês. :D Pois é, é isso aí. Ah, a república vai bem, as meninas parecem ter me adotado como filha de criação. :) E lá não tem festas, antes que me perguntem. Vocês me conhecem...
# Um beijão para todos!

domingo, janeiro 01, 2006

Ó nóis aqui...

É q vc disse q não ia mais falar,# Um blog era só o que estava faltando na minha vida... :P Estou aqui pra corujar mesmo, refletir, colocar pedaços de histórias que nunca terminam quando estou sem assunto, falar das coisas loucas que vem na minha cabeça......... Sabem como é... Estamos no primeiro dia de 2006, espero estar começando bem o ano. Tou esperando a segunda fase do vestibular da UFMG >ai, ai< , mas estou bem porque praticamente já passei em Viçosa.
# Ei, ei: já sei!! Pra estrear, vou pôr um texto com uma polêmica, que é um bom modo de esquentar as coisa. ^_^ É sobre o escândalo político desse ano que passou.
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Sábios Cazuza, George Israel e Nilo Romero.

Brasil

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes d’eu nascer

Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta
Estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito
É uma navalha

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes d’eu nascer

Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra
Só dizer sim

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Grande pátria
Desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
Não, não vou te trair

Tou cansada dessa crise política. Basta ouvir esse nome e sinto meu estômago revirar. De um lado, gente que dizia que ia combater um monstro e acabou se tornando como o próprio monstro. Do outro, gente que já cansou de usar esquemas similares posando de “consciência da nação”. É enojante! Ultrajante!
Agora, vem o oposição do governo falando em “impeachment” do Lula, convocação de novas eleições, o governo implorando manifestações a seu favor... Bleargh! Todos dizem ter uma solução para os problemas do Brasil e necas!
Chega de direitas que querem o Brasil como está e de esquerdas utópicas e sem planos. Cansei de situacionistas acomodados com a situação reinante, acostumados em ter o poder e conservá-lo a qualquer custo. Cansei de oposicionistas que só reclamam e fingem que é fácil governar um país subdesenvolvido, todo endividado, com dimensões continentais, possuindo ao mesmo tempo uma massa ignorante e uma elite de horizontes curtos, que sempre toma de lavada das multinacionais.
Governar é complicado... De um lado, há um povo precisando de amparo. Do outro, há a elite que é, na verdade, quem tira e põe gente no governo financiando campanhas, movimentando currais eleitorais, escondendo a sujeira por trás de tudo. Não dá para termos um governo esquerdista radical por essas bandas, porque ele cairia mais rápido que o governo Lula. Não dá pra pôr as elites de lado e governar só pra pobre: o governo fica sem base. O povo não se move pra apoiar ou condenar um governante. Há gente que acredita que os caras-pintadas ajudaram efetivamente a derrubar o governo Collor, como há quem acredita em Papai Noel. Quando o povo tirou ou pôs governantes sem que a elite desse seu aval? O povo brasileiro está acostumado a ser uma massa politicamente nula, falando mal ou venerando governantes, mas fazendo corpo mole para participar da política.
Não dá uma coisa ruim no peito constatar essas coisas, uma vontade de gritar “Não, não é assim!”, seguida de uma modorra e um pensamento “Mas o que eu posso fazer, afinal?”. O povo tem a faca e o queijo na mão, mas deixa que um qualquer que faça uma campanha mais bonita e distribua mais santinhos pegue a faca e que os que estão por trás desse qualquer comam o queijo.
Não falo só de Lula, não. Falo de tudo. De todas as eleições, do nível municipal ao nível nacional. Afinal, admita, quantos votam em um candidato que tem três minutos de horário eleitoral por semana, por melhores que sejam as idéias desse candidato? Não dá para conhece-lo com tão pouco tempo, é verdade, mas será que não é isso que obriga os políticos a fazerem alianças escusas para conseguir atenção do público? Ou você tem dinheiro, e muito, ou não consegue uma eleição a nível nacional. E se você, como candidato, tem idéias que irão prejudicar um pouquinho a elite e favorecer os trabalhadores, que vai te apoiar com grana suficiente? Um empresário? Está brincando, não é?
No fundo, apesar de descontente e indignada, sinto pena do Lula e do PT. Não que isso os redima em minha visão, mas é que os atos deles comprovam o que digo. Ou o PT conseguia muito dinheiro, ou continuaria como os outros partidos de esquerda, sem expressão. Claro que isso não justifica a corrupção, mas mostra o quanto é difícil sentir um saborzinho do poder. O PT mostrou ao Brasil, da forma mais difícil e dramática, que não se pode falar mal do governo sem estar diretamente ligado a ele e conhecer sua situação exata: falou, falou, e seguiu a “cartilha FHC”, em grande parte, porque não dava para agir de outro jeito, a “terra” não estava preparada, precisava ser arada, o solo, corrigido e a semente, plantada, para só então fazer algo mais positivo.
Dá vontade de chorar de raiva, não dos 40 ladrões do Congresso, mas de todos nós, que compactuamos com isso! A maior parte dos brasileiros não devolve o troco a mais que recebe, não hesita em passar alguém para trás para ganhar alguma coisa com isso, fala mentira para ganhar credibilidade, não quer ver um real de seu patrimônio retirado para ajudar alguém (diz-se que isso é “coisa do governo”, como se o governo não fosse a expressão do povo)... Os valores monetários são diferentes, mas as atitudes são as mesmas. É. O povo deve ter mesmo o governo que merece. A simbiose fica perfeita: o povo não liga para o governo a menos que a situação fique muuuuuuito ruim, o governo não liga para o povo a menos que a situação fique muuuuuuito ruim. Se bem que as falhas na educação contribuem muito para isso. Mas já estou entrando em outro ponto... Que fica para outra vez.