terça-feira, novembro 28, 2006

Para publicar no Corujando

# Hum... Acho que já comentei que posso publicar textos de outros autores aqui, mas não disse como. Ô cabeça! Deixa, então, eu explicar tudo direitinho em um mini-curso.

# Como fazer seu texto aparecer no Corujando (em três passos)

# 1 - Abrir a caixa de e-mails;
# 2 - Endereçar um e-mail a strixvanallen@yahoo.com.br e colocar lá o seu nome, pseudônimo, idade e, é claro, o texto. Se quiser escrever "Boa noite, como vai?", pode.
# 3 - Clicar em enviar.

# Simples assim. Vou ler tudo de cabo a rabo e, logo que a chefe der as costas, ponho no ar. Comentários a respeito do texto serão encaminhados por e-mail ao respectivo autor. Eu bem poderia fazer um esquema em que outras pessoas pudessem publicar direto, sem passar por mim, mas como sou despótica, prefiro ter um controle do que vai ao ar.
# É claro que nem tudo que me mandarem vai ao ar. Se o texto se enquadrar em pelo menos uma das categorias abaixo, não adianta nem mandar:

# 1 - Abusa do palavrão (usar é uma coisa, abusar, outra);
# 2 - Pornográfico;
# 3 - Apologia a drogas, violência ou sexo desenfreado;
# 4 - Contém mensagens subliminares de "Leia Paulo Coelho" ou "Ouça mais Funk" ou semelhante;

# Os direitos autorais serão devidamente respeitados e nem um fragmento de texto será usado sem que o autor dê permissão. Plágio é crime e, se for descoberto antes, durante ou depois da publicação, o texto será retirado do ar e haverá notificação ao autor original ou autoridades competentes. Ah, e eu não vou pagar royalties por publicarem aqui. :/

# Titia Strix, você publica poesia?

# Depende. Só se ela tiver menos de cinco versos e/ou contar uma história (poesia épica, prosa em versos, e todo esse blablablá).

# Foi um prazer estar com vocês durante esse curso e até a próxima. :)

# Abraços.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Divagações em um ônibus

# Hum... Isso é o que acontece quando a gente tá em um ônibus parado na estrada: começa a surgir cada uma! Espero que gostem dessas divagações sobre um nariz quebrado. :)

# Sobre um nariz quebrado

# O Zé estava caminhando feliz até o momento em que tropeçou. Caminhava no topo de um morro e, como perdesse o equilíbrio, descera-o, literalmente, rolando.
# Ao pé do morro, havia um muro, que freou a queda de Zé da maneira mais brusca. Como conseqüência, ele quebrou o nariz e trincou um ou dois ossos. Os ossos se emendariam no devido tempo, mas o nariz de Zé apresentaria um caroço grotesco.
# Todos os dias, ao se olhar no espelho e ver o caroço, Zé xingaria a pessoa (e a mãe da pessoa) que decidira colocar lá um muro tão deslocado, tão longe de tudo, que nem sequer delimitava propriedade nenhuma.
# Zé nunca soube que, por trás do muro, havia um precipício.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Mais contos da Rita - 1

# Esse conto da Rita ficou ótimo! Não adianta, ele pode não ser de humor, mas não consigo deixar de rir! :) Abraços!
# PS: Lembrando que todo mundo tem espaço aqui no blog... Desde que eu goste do texto. :P
# PPS: De acordo com um pedido da Rita, as modificações que ela fez no miniconto foram adicionadas.

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# REPRODUZIR-SE
# Por Rita Maria Felix da Silva

# Chamavam a Dra. Naraline, aquela famosa geneticista, de “extremamente egocêntrica”, rótulo que ela sempre negou. Vivia sozinha e era um fracasso em assuntos amorosos.
# Acontece que, ano passado, quando a solidão já lhe ameaçava a sanidade, cedeu à tentação: fez um clone de si mesma, porém, em versão masculina. Com um processo por ela inventado, tornou-o de feto a adulto em poucos dias (e memórias artificiais implantadas deram aquele belo moço um mínimo de entendimento sobre o mundo e as pessoas). Por ele a cientista se apaixonou. Casaram-se em novembro.
# Naraline, agora no quarto mês de gestação, vive feliz com o marido, a quem considera a pessoa mais maravilhosa do mundo.

# FIM

sexta-feira, novembro 10, 2006

Mais contos da Rita 2

# Prossigo com a coletânea de contos da Rita.

# ZONA PROFUNDA
# Por Rita Maria Felix da Silva

# Na Estação Totalidade, na Antártida, guardas e algemas levavam Nikolai para o transmissor da Interface Dimensional. Uma vez, encontrara um viajante do tempo, depois assassinado pela Polícia, que lhe contou sobre o mítico século XXI. A partir daí, Nikolai tornara-se o primeiro revolucionário de sua época.

# "O Governo Mundial é a Utopia sonhada pela humanidade" — foram as palavras do juiz. — "Você luta por democracia, liberdade, e livre-arbítrio, quimeras passadas que ameaçam a ordem perfeita do mundo. Por este crime, estaremos, ainda hoje, enviando-o para a Zona Profunda".
# Dizia-se que a Zona Profunda, onde o Governo despejava os indesejáveis, era, literalmente, o Inferno cristão, um outro mundo também oprimido suplicando por uma Revolução. Algo que Nikolai faria com prazer.

FIM

Promessa é dívida

# Eu disse que iria postar os contos com os outros Harveys e é o que estou fazendo! Esse é o segundo, com o Victor (adulto, assim como a Lídia). Só falta o terceiro. Um pouquinho de paciência, gente!

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Um garotinho assustado
# Mais uma folha de almaço foi depositada sobre a pilha intitulada “prévia da Especialização”. Victor Harvey consultou um livro, anotou a referência, consultou outro livro, atirou-o com insatisfação para o lado, entulhando um pouco mais a mesa. Enfiou a mão no meio dos cabelos verde-bandeira e puxou-os. Fora essa característica berrante, era um Harvey típico: baixinho, sardento, sorridente, cabelos lisos, prodigiosamente feio. O verde de seus cabelos era devido a uma seqüela de um problema na gravidez de sua mãe, que também o deixou com o olho esquerdo paralisado e sensível à luz. Para protegê-lo, Victor deixava a metade esquerda de sua franja crescer até tampá-lo.
# Estava tão distraído que não viu Maria Lúcia entrar no escritório da Universidade. Quando conseguiu percebê-la, ela já pegava livros espalhados no chão e arrumava a pilha de almaço.
# _Deixa disso, Lucy _disse, gentilmente. _Daqui a pouco vou sair para o almoço e trancar essa bagunça até amanhã. Deu pra você olhar onde tem daquela tese?
# _Deu sim, Vitinho _afagou o namorado com uma mão, tirando o lápis dele com a outra. _Só que só tem na Biblioteca Municipal. Pedi pro Zico pegar, mas ele disse para você mesmo ir buscar na hora do almoço. Já são onze e quinze.
# Ele se levantou de um salto e largou tudo onde estava. Tirou uma varinha do bolso e usou-a para fazer sua pasta se erguer do meio da papelada. Trancou a porta, despediu-se de Maria Lúcia e saiu correndo, desajeitado.
# “E o pior é que ele vai continuar nessa loucura até conseguir título de Mestre...”, pensou a moça, desanimada. Ela fazia bem em prosseguir com suas pesquisas históricas.

***

# Victor entrou na biblioteca e foi direto à mesa do bibliotecário. Ele era um homem alto, forte, de barba apontando, cabelos rebeldes e dorso da mão peludo, unhas pretas. Não correspondia, por certo, à imagem popular de um bibliotecário.
# _Zico! Como vai essa vida? _perguntou Victor, sorridente.
# _Vitinho! _apertou a mão dele com dolorosa efusão. _Que bom que você veio. Separei a tese que você me pediu. Será que se importa em almoçar comigo?
# _Claro que não. Ainda mais que estou curioso para saber o que você tem a me contar. Parece sério.
# Zico enrubesceu e baixou os olhos.
# _Deu pra perceber?
# _Ora! Como bom amigo, você jamais me daria o trabalho de vir aqui pessoalmente pegar uma tese se não tivesse algo importante a me dizer.
# _Não é tão importante... _baixou o olho ainda mais. _Provavelmente não é nada importante, mas mesmo assim...
# _Calma. Vamos almoçar, e você me conta.

# Os dois jovens almoçando num restaurante discreto formavam uma dupla muito curiosa: um era enorme e o outro, baixinho. E, no entanto, o grandão diminuía-se diante do pequeno, encurvado-se e abafando a voz.
# _Provavelmente é só uma caraminhola da minha cabeça, Vitinho, mas fiquei preocupado. Espero que me desculpe por fazer você vir aqui só pra ouvir uns temores de velha, mas... É o seguinte: você sabe que eu gosto de conversar com as crianças que vão à biblioteca. Fico tão contente em ver aquelas coisinhas em meio aos livros! _de fato, Zico era bem popular entre as crianças por seu hábito de carregá-las aos ombros para elas alcançarem prateleiras altas. Ao mesmo tempo, elas não o desrespeitavam como faziam com o bibliotecário anterior justamente por ele ser alto e de aparência tão intimidadora. _Pois bem, uma das crianças mais constantes nas leituras, mais empolgada e mais responsável é um menino da segunda série, o Colin.
# “Nós já éramos praticamente amigos, ele até me convidou para jantar em sua casa algumas vezes. Até que de repente... Ele ficou estranho. Esteve aqui para renovar uns livros e mal me olhou. Cortou todas as minhas tentativas de conversa e, antes que saísse, vi que estava amedrontado. Assim, do nada.”
# Parou, embaraçado. Victor estava ouvindo com atenção e encorajou o amigo com o olhar. Já desconfiava do que se seguiria.
# _É claro que fiquei surpreso com essa mudança tão repentina _Zico continuou, em voz baixa. # _Tentei pensar em que circunstância eu poderia causar medo no Colin... E a única coisa que consegui pensar foi... Bem...
# _... que alguém tenha andado espalhando coisas sobre sua família e noites de luar? _perguntou Victor, delicadamente.
# O bibliotecário confirmou e olhou súplice para o amigo. Victor limpou o monóculo (além de ter um olho cego, tinha o outro míope. Desgraça pouca é bobagem) e assumiu as maneiras de quando os dois estavam na escola e ele precisava ajudar Zico nas contas da aula de Feitiços, ou nos detalhes de História e Geografia. Com um olhar paternal e encorajador, pensou um pouco e comentou:
# _Não creio que seja isso, Zico. Você sabe que as crianças de hoje não são como no nosso tempo. Elas acham o máximo dizer às outra que têm um amigo estrige ou que foram juradas de morte por invadir o quintal de um vampiro. Se ele tivesse ouvido qualquer coisa a respeito de sua família, meu amigo, ouso supor que ele redobraria os esforços para cultivar sua amizade.
# _No fundo, eu sei que isso é verdade... Mas o que mais pode ser? Não me lembro de ter precisado xingá-lo uma única vez. Ele é tão bem comportado! Não entendo...
# _Faça o seguinte... _Victor pensou um pouco, franzindo a testa _me dê o nome completo do menino e a escola onde ele estuda. O que acha de jantarmos hoje à noite, você, eu e a Lucy? É bem provável que seu problema já esteja resolvido até lá.
# Zico levantou as grossas sobrancelhas e concordou, desmanchando-se em agradecimentos.

***

# “Colin Hargreaves, 2ª série, Colégio Altavista de Artes Mágicas”. Com essas palavras em um papelzinho, Victor consultou o catálogo telefônico para achar o endereço da escola. Não foi muito difícil, o Altavista era uma das instituições particulares mais conhecidas de Morros Azuis.
Depois de anotar cuidadosamente o endereço, pegou uma agenda telefônica com “Graduação” escrito na capa e folheou atentamente. Com uma exclamação de triunfo, escolheu um nome e anotou-o também. Satisfeito, partiu para se desincumbir da missão de tranqüilizar o amigo.
# Não teve dificuldades em entrar na escola com suas credenciais de professor. Em poucos minutos, estava na presença de um velho conhecido.
# _Olá, Karl! _cumprimentou. _Como vai a vida?
# _Vitinho! Vai assim, assim. Essas pestes me enlouquecem. Gostaria de ver aqueles nossos professores aplicando suas lindas teorias educacionais a essa turminha. Mas que bons ventos o trazem?
# _Estou fazendo minha Especialização, sabe, e tenho desenvolvido minha linha de idéias com base na experiência que estou tendo com alunos de uma escola de periferia. Só que me pareceu interessante checar um ou dois pontos em uma realidade diametralmente oposta e quis assistir a algumas aulas em uma escola particular.
# _Você e suas pesquisas! Nunca achei que a área de Educação comportasse pesquisas! Pelo menos, não pesquisas a ponto de você se tornar Mestre em uma área. E você quer só assistir?
# _Sim, se não se importar. Não vou fazer uma avaliação do seu trabalho, nem nada no gênero. O que me interessa é o comportamento dos alunos e nada mais.
# _Se você realmente quer... Mas não garanto que o comportamento deles vá te ajudar em alguma coisa, não _acrescentou, sombrio.
# Somente na segunda turma Victor achou o que procurava. Durante a chamada, ouviu o nome Hargreaves e quem respondeu foi um garoto que se encaixava bem na descrição de Zico. Tinha uma aura de aluno quieto e aplicado. Estudou-o com cuidado, constatando que seu comportamento parecia bastante normal. Não, não haveria dificuldades em resolver aquele problema.
# O sinal do recreio tocou e ele esperou que Colin saísse. Abordou-o, sorrindo.
# _Com licença... O prof. Ritcher disse a vocês que estou fazendo uma pesquisa, certo? Será que você se importaria em me responder algumas perguntas?
# Colin olhou para o amigo e este deu de ombros.
# _Pode ir, Colin. Depois da cantina, vou pro campo de pólo.
# _Em que posição você joga? _perguntou Victor.
# _Na linha de defesa.
# _É, você é bem alto. Já joguei na linha central. Você também joga... hum... Hargreaves?
# _Não, sou gandula.
# _Certo. Vamos nos sentar um instante. Tentarei não atrapalhar muito seu recreio.
# Sentaram-se em uma mesinha próxima à cantina terceirizada. Victor comprou salgados e refresco para os dois. Enquanto comiam, colocou o menino à vontade com conversas. Depois que terminaram a merenda, avaliou Colin e sua expressão de expectativa.
# _Então me deixe fazer a primeira pergunta, Colin.
O que aconteceu com os livros?
# O pequeno saltou e começou a tremer, mas não respondeu.
# _Estou aqui para ajudar você, Colin. Vim procurar você a pedido do Sr. Fernandes. Ele está muito preocupado com você. Acha que você está com medo porque ele fez algo errado.
# O olhar do garoto mostrou, além de espanto, remorso. Mas ainda assim, ele ficou mudo.
# _Vamos, meu caro. Não precisa ficar com vergonha. É normal a gente errar. Mesmo os adultos mais responsáveis perdem livros, rasgam, deixam coisas entornarem em cima deles... É algo que pode acontecer com qualquer um. Ninguém de bom senso vai achar que você é um irresponsável só porque uma coisa assim aconteceu. Se me contar o que houve, posso fazer alguma coisa. Não vou contar nada ao Sr. Fernandes. Você é que irá fazer isso.
# Colin hesitou muito. Victor ficou em silêncio, lustrando seu monóculo, como fazia sempre que não queria olhar nos olhos da pessoa com quem conversava. Por fim, com uma voz débil, o menino confessou.
# _Alguém pegou o livro. Foi o seguinte: o professor de Literatura passou um trabalho sobre o livro “Maryland”, sabe, e explicou a história do livro. Ele disse que havia apenas uns poucos livros que foram impressos com ilustrações do próprio autor, depois elas foram consideradas de mau gosto e removidas. Aí eu fiquei curioso, porque “Maryland” é uma história tão delicada que não entendi como poderiam ter sido feitas ilustrações de mau gosto. Aí eu pedi pro Sr. Fernandes para ver se tinha esse livro ilustrado na Biblioteca. Tinha, mas ele me disse que era para ter todo o cuidado porque era um livro raro...
# “No dia de apresentar o trabalho, trouxe o livro para a escola para mostrar pros meus colegas as figuras. Aí, deu a hora do recreio. Esperei todo mundo sair da sala e guardei o livro na mochila. O professor trancou a porta e fiquei tranqüilo. No fim do recreio, fui o primeiro a entrar na sala. Quando fui pegar o livro de Contra-feitiços, vi que o ‘Maryland’ tinha sumido e fiquei desesperado. Perguntei pra todo mundo, mas ninguém admitiu que tinha pego. Falei com a professora e ela pediu pra olhar o material de todo mundo. Não estava com ninguém. E o chaveiro da escola disse que não deixou ninguém entrar na sala na hora do recreio. Então... Não pode ter sido ninguém, mas o livro sumiu.”
# Victor pensou um pouco e perguntou:
# _Alguém viu você guardando o livro?
# _Só o Fred. Mas ele é meu melhor amigo. Confio nele _acrescentou, em desafio.
# O rosto de Victor estava muito grave a essa altura. Não tirava os olhos de Colin. Seus óculos de fundo de garrafa, seu jeito de andar meio curvado, seu olhar submisso, seus movimentos desgraciosos. Era impossível não acreditar no que ele dizia. Lembrando-se de sua própria infância, o professor acariciou-o e disse, ternamente, mas com autoridade:
# _Já ouvi o suficiente, Colin. Quero que me entregue o nome do chaveiro e do seu professor de Literatura para que eu possa dar uma palavrinha com os dois. Mas não poderei fazer mais do que isso se você não contar tudo ao Sr. Fernandes. Quando sair da escola, quero que dê um jeito de fazer isso o mais rápido possível. Amanhã ou depois, espero já ter o livro, ou, pelo menos, o culpado. Está bem?
# _Está _murmurou. Uma nota de esperança já era notada em sua voz.

***

# Colin Hargreves foi chamado no meio da aula de Zoologia. Foi levado à sala do diretor e entrou timidamente. Além do diretor, estavam lá Victor, Zico e um homem de farto bigode e ar bondoso.
# Victor chamou o menino mais para perto e entregou-lhe um livro. Colin quase desmaiou ao ver que era o volume raro de “Maryland”. Prendeu a respiração e correu o olhar incrédulo por todos os três.
# _Obrigado! Obrigado! Como o senhor conseguiu, prof. Harvey?
# _Não fui bem eu. Apenas passei a conversa que tive com você ao Inspetor Longfellow e ele fez o que devia fazer.
# O inspetor fez um gesto declinando de si o mérito.
# _Pode me chamar de Darren, professor Harvey. Conte você como chegou à conclusão que me comunicou. Não entrou em detalhes comigo.
# _Nem comigo _aparteou Zico.
# O diretor e Colin olharam para ele com curiosidade, completando o coro de pedidos.
# _Não foi difícil... _lustrou o monóculo furiosamente _Quando Zico disse que Colin estava com medo dele, e que o menino tinha ido renovar livros, logo me ocorreu que poderia ter acontecido algo com esses livros. Era simples.
# “Arranjei um jeito de conversar com o garoto e ele acabou me confessando que um dos livros fora roubado. Até esse ponto, parecia coisa de criança. Alguém roubou o livro porque queria perturbar Colin ou porque o achara bonito. Mas quando Colin disse que cuidara do livro até que a porta da sala de aula estivesse trancada, senti que a coisa era mais grave. É que me convenci de que a única pessoa que poderia ter roubado o livro... Era o próprio professor de Literatura. E tudo o que eu ouvia corroborava essa hipótese.”
# Colin ofegou. O diretor assumiu um ar taciturno.
# _Consegui o nome do professor e fui até o chaveiro da escola. Com um pouco de paciência, consegui perguntar discretamente se no dia do roubo do livro, o professor voltara para pegar algo na sala. O homem respondeu que sim, com toda a naturalidade. Eu já esperava isso. Que um aluno pedisse a chave da sala, isso era estranho, e ele logo associaria ao roubo, mas imagino que os professores freqüentemente esqueçam coisas na sala e ele tenha que abri-la para eles.
# “Outra coisa que notei foi a forma como o professor sutilmente fez com que os alunos tivessem vontade de conseguir o livro ilustrado. Depois de deixar Colin, ainda refleti muito... E cheguei à conclusão que estava diante de um roubo singularmente astuto. Era tão bem bolado que talvez não fosse o primeiro. Pedi a Zico uma lista dos livros valiosos perdidos pela Biblioteca Municipal nos últimos tempos e achei mais ou menos o que esperava: quase todos haviam sido perdidos por gente altamente respeitável: crianças, senhores e senhoras, pesquisadores... Fui, então, procurar Mr. Darren.
# _Desde o roubo da Jerand Bijou, _disse Darren, cofiando o bigode _achei que não veria outro roubo tão bem bolado. Mas o Victor conseguiu me surpreender. Aliás, o caso da Jerand também foi resolvido com a ajuda de uma Harvey, não? Mas prossiga, meu amigo.
# _O resto é bem simples, realmente, desde que eu já dava por certo que havia roubo. Os ladrões da quadrilha a que o professor de Literatura pertencia tinham um plano muito inteligente: eles incitavam pessoas acima de qualquer suspeita a pegar um livro raro. Olhem para Colin. Algum bibliotecário recusa um livro, qualquer que seja, a um menino com tanta responsabilidade estampada no rosto? Ou a uma senhora simpática? A um universitário em processo de Mestrado? Recusa, Zico?
# O homem balançou a cabeça, sentencioso.
# _Pois bem! Depois que essas pessoas pegavam o livro, o ladrão simplesmente se apossava dele e fazia parecer que o livro se perdera. A pessoa responsável pelo livro ficava desesperada, compensava a biblioteca como podia, e o exemplar raro era vendido sem problemas. O crime era tão perfeito que nem se chegava a aventar a hipótese de roubo. Enquanto isso, nosso patrimônio público cultural ia sendo dilapidado. Um plano terrível, que poderia ter continuado por anos, se não fosse a preocupação de Zico com um pequeno leitor.
# Darren aprovou várias vezes com a cabeça e acrescentou:
# _O livro ainda estava com o tal professor. Ele não tinha por que ter pressa de vender. Pegamos os outros sem maiores problemas, ele denunciou os colegas para ter a pena diminuída. Mal posso acreditar que a simples mudança de comportamento de uma criança colocaria a polícia no rastro de ladrões tão engenhosos. A cidade tem muito que agradecer ao prof. Harvey, ao Sr. Fernandes... e a você, é claro, Hargreaves. Aqui tem algo para se lembrar de sua aventura. Da próxima vez que algo sumir ou estragar, não hesite em contar ao adulto responsável.
# Pôs um pequeno broche da polícia na lapela de Colin, que estufou o peito com orgulho. Virou-se, então, para Zico e entregou o volume nas mãos dele com toda a solenidade.
# _Dê baixa dele para mim, Sr. Fernandes. Desculpe por não ter contado antes. Isso não vai acontecer de novo, eu prometo.
# _Assim espero, Colin. _Despachou-o, com um tapinha nas costas. _Volte lá para sua aula.
# Darren despediu-se de Victor desculpando-se, mas tinha assuntos a resolver com o diretor. Uma vez fora da escola, o professor pôs a mão no braço de Zico (era para ser no ombro, mas ele não dava altura) e comentou, suavemente:
# _Não fique assim, tão quieto. Você ainda não tem muita experiência com crianças, mas vai chegar o dia que poderá saber bem mais que eu. Não foi sua culpa não ter percebido os roubos, nem não ter achado que o motivo de Colin ter medo de você tinha a ver com livros. No seu lugar, tenho quase certeza de que pensaria o mesmo. É por isso que é bom consultar alguém de fora, como você fez. Quem pede ajuda é mais sábio que quem não sabe o que fazer e não deixa o orgulho de lado.
# “Amanhã é sábado e vai haver uma pequena reunião de família em Distópolis, o Ítalo e a Lídia vão estar. Você está convidado, viu? Estou voltando para a faculdade para continuar minha tese, espero você amanhã. Sem desculpas! A lua ainda está minguante, que eu sei.”

quinta-feira, novembro 09, 2006

Contos de fadas

# Esse é um texto da Rita que eu particularmente gosto. Vou colocar porque estou com um ânimo humorístico hoje. E Peter Withehill é meu representante preferido dessa família. :)
Divirtam-se!

O CONTRÁRIO DA SORTE
Por Rita Maria Felix da Silva

# Como? Claro que sou ateu! Mas isso não me impede de amaldiçoar os deuses (é terapêutico), o que faço mais uma vez, enquanto o lobo fica andando em volta da árvore, esperando o galho onde me refugiei se partir. O que vai acontecer logo, logo. Meu nome é Peter Whitehill. Iria ficar ótimo na lápide, isso é, se houvesse chance de fazerem um funeral para mim, algo remotamente possível.
# Repito que tudo isto só pode ser uma alucinação, acontece que os dentes da fera, brilhando de fome e fúria lá embaixo, insistem em me contradizer.
# Jeito ruim de terminar o dia. Comecei no meu apartamento, emLondres, concluindo um experimento com teleportação trans-dimensional (você deve ter lido sobre isso em meu blog). Eu ia ficar rico e famoso, o bastante para me vingar daqueles sabichões da comunidade científica, que zombaram de minhas teorias, e das garotas metidas que achavam melhor sair com qualquer outro cara. Mas escrevi alguma linha errada no programa controlador daquela engenhoca. A coisa toda explodiu e... Bem, veja só aonde vim parar. Pelas referências, deduzi bem rápido onde era, afinal nunca me chamei de "gênio do século" à toa.
# Todavia, não questione minhas boas intenções (sempre me considereia melhor pessoa do mundo): quando abri os olhos naquela cabana e vi um grande lobo bípede, vestido de camisola branca, perseguindo uma menininha de capuz vermelho, aquilo me revoltou. Atirei contra o monstro o objeto mais próximo de mim (um penico e nem quero imaginar o que a Vovozinha deixou lá dentro). A garotinha fugiu e já deve estar na China (quer dizer, se existir uma China nesta dimensão maluca).
# O lobo fica arranhando a árvore e solta um palavrão dos mais indecorosos. Quero me segurar com toda a força, porém escuto o galho se quebrando. O rosto do lobo fica radiante. O irônico é que esse nunca foi meu conto de fadas favorito. Me dava pesadelos. Amaldiçôo os deuses pela última vez na vida.

FIM
Dedicado a Mhel

quinta-feira, novembro 02, 2006

Ainda pra ganhar tempo

# OK, OK! Eu vou cumprir minha promessa, juro! Mas enquanto não dá (tive duas semanas de prova, gente, me aliviem!), lá vai um pequeno texto, que até hoje não sei dizer se é mini-conto, crônica ou o quê. Bjim!

É aqui

# Em tempos corridos e capitalistas como esse, o campo é encarado de forma poética, o refúgio de uma cidade fria e agitada.
# Sei de uma historinha curiosa a esse respeito. Relaxa, é pequena, prometo. Se ajeita aí na cadeira e ouve, depois vai dar tempo de você terminar seu trabalho, eu garanto.

# Está vendo aquele homem ali de terno, o celular quase fazendo parte do corpo, cabelos cada dia mais ralos? É um rico empresário. Tem pressão alta, não dorme sem remédios. Solteirão. Não vive, negocia.
# Dizem que o Natal amacia os corações mais duros. O Natal daquele ano foi encontrar o rico empresário com o celular desligado, descendo de sua limusine blindada, às portas de uma fazenda.
# Logo que ele chegou na porteira, inspirou profundamente o ar puro. O ruído de grilos e pássaros era um silêncio ensurdecedor para ele. Caminhando junto ao homem que queria lhe vender a fazenda, o ricaço ouviu um cão latir longe como um sonho, a bica em sua eterna cadência, o vento nas folhas das árvores.
# Um bosquinho no limite da propriedade fervilhava de vida. Havia micos. Pássaros. Talvez até onças. O riozinho cristalino, entretanto foi o que encheu os olhos do empresário. Cheio de peixes, pedras no fundo... Esse barulho de queda é uma cachoeira?
# “É aqui!”
# Cheio de natureza, a alma silenciada, ele fechou o negócio e comprou a fazenda. Um presente de Natal para ele mesmo.
# No dia 26 de dezembro, bem cedo, retirou-se a placa com o nome da fazenda, “Arcádia”, e colocou-se outra: “Em breve, neste local, X Siderúrgicas S/A monta uma nova fábrica. Muitos empregos! O progresso chegou ao campo!”