quarta-feira, janeiro 24, 2007

Desenferrujando as juntas

# Só pra não dizerem que nessas férias eu só vadiei, aí vai um continho que consegui terminar. Com vocês, RB, meu espião favorito.

-------------------------------------------------------------

R. Black Cat


# Josué encolheu-se de frio e maldisse pela centésima vez o trabalho que o forçava a deixar o conforto de seu lar quentinho e ir parar numa região serrana em Minas Gerais. Soprou as mãos e olhou para o céu melancolicamente cinzento, sem conseguir conter um suspiro.
# Desceu em frente à grande fábrica de produtos de beleza para as unhas. Entrou na fábrica meio ressabiado e escapou por pouco de trombar com um garoto de entregas com algumas marmitas nas mãos. Pediu informações ao porteiro e orientou-se até chegar à sala do diretor da empresa.
# _Ah! _o homem exclamou à sua entrada. _Só faltava o senhor, obrigado por comparecer, Sr. Josué.
# Ele não respondeu. Verificou que, além do homem de negócios e sua secretária, a sala continha um casal jovem e simpático. Sentou-se e aguardou para saber os detalhes do serviço que teria que prestar. O diretor começou, meio embaraçado.
# _Bem, senhores... E senhora, se me perdoa... Vocês sabem como é comum, num mundo competitivo como o nosso a espionagem industrial. O que eu não esperava era que alguém tivesse algum interesse em espionar nossa humilde empresa.
# O “humilde empresa” foi dito num tom que deixava claro que era apenas modéstia. Josué balançou a cabeça. Walter Neves, o diretor da Unhex, era ainda mais burguês visto ao vivo. Ao telefone, já transparecia ser um homem gordo, próspero e eternamente preocupado em ganhar dinheiro, mas Josué não achava que fosse tanto. O homem continuou:
# _Fui alertado de que uma determinada fábrica estava usando um processo que era segredo nosso, o que indica que há um espião agindo na empresa. A questão é: quem é ele?
# “Estou preocupado, vocês sabem... Todos os anos, batemos recordes de produção e isso se deve principalmente a pesados investimentos que fazemos na área de pesquisa, conseguindo patentes e melhorando nossa produção. Eu não gostaria de ver nossos preciosos segredos caindo na mão da concorrência. Resolvi que a melhor coisa a se fazer era contratar um detetive para desmascará-lo e procurei os melhores que o mercado poderia oferecer.”
# Josué corou. Era um bom detetive particular e se orgulhava de ser quase um James Bond no que dizia respeito a seu aparato tecnológico e sua eficiência, mas não se considerava um grande especialista na área de espionagem industrial. O casal à sua frente murmurou um protesto polido. Ah! Agora ele se lembrava! Eram Artur e Letícia Belo, um casal muito famoso no ramo. Esses realmente podiam ser considerados especialistas. Na verdade, eram especialistas em praticamente tudo. Mais seguro, o Sr. Walter prosseguiu.
# _Aqui nessa sala, vocês podem ver um cofre e um armário trancados. No cofre, estão papéis muito importantes da empresa e, no armário, o computador onde guardamos os dados e não tem acesso à internet. Só eu e D. Glorinha, minha secretária, temos a chave. Porém, por causa da situação, só eu tenho a chave agora e só eu sei a combinação do cofre. Fico aqui a maior parte do tempo, D. Glorinha na sala ao lado, e não creio que se possa abrir isso tudo aqui sem um pouco de barulho. Contratei vocês para impedirem que esse... pilantrinha ponha as mãos e os olhos onde não deve. A primeira parte do pagamento é adiantada e a hospedagem fica por minha conta.
# “Vocês devem estar estranhando o fato de eu ter contratado duas agências em vez de uma. Uma das coisas que aprendi é que o dinheiro move montanhas e é um excelente incentivo. Por isso, faço uma proposta: o que me trouxer o nome correto do espia recebe cinco mil reais a mais no pagamento. Que me dizem?”
# Os detetives se entreolharam. Trabalho era trabalho, mas aquele caso não parecia muito emocionante. Pelo menos, a proposta era peculiar e o pagamento era bom. Aceitaram. Walter agradeceu e desculpou-se por ter uma reunião dali a minutos. Deu carta branca para os três fazerem o que achavam melhor e saiu, trancando a sala.
# À porta da sala, Josué e os outros se apresentaram direito.
# _Sr. Josué Paiva, inimigo nº. 1 dos cônjuges infiéis! _saudou Artur, de bom humor. _Pensei que esse não fosse seu tipo de caso!
# _Pois é, também achei que não. Mas que posso fazer? Curiosidade mata e um bom pagamento dá um colorido especial até a casos de espionagem em fábricas de unhas. Só não acho que vou conseguir colocar as mãos no prêmio, não...
# _Ora, deixe de falsas modéstias! _protestou Letícia. _Todos nós sabemos como é bom no que faz! Somos dois contra um e temos certeza de que o páreo será duro.
# _Vocês já têm um plano de campanha?
# _Ainda não. Melhor observarmos o ambiente primeiro. E você, já tem idéia?
# _Também não... Pelo menos ainda não.
# _O que me preocupa _comentou Artur _é que esse trabalho está parecendo fácil demais... Aí tem coisa.
# _Como assim? _Josué perguntou.
# _É difícil explicar... Veja, a sala onde estão os tais segredos industriais só tem duas portas de acesso, a da secretária e essa do corredor. A sala está no terceiro andar do prédio e a parede externa é chapiscada, quase impossível de se escalar. A única forma de conseguir os dados é entrar na sala pelas portas. Se as vigiarmos dia e noite, acabaremos flagrando o fulano. Parece tudo muito fácil, uma simples câmera instalada no escritório resolveria. Por que pedir nossa ajuda?
# _Aí está... _respondeu Josué, vago. _Ou os segredos são extremamente importantes, o que duvido muito, ou...
# _Ou?
# _Aí tem coisa, mesmo.
#

***
#
# Josué começou o trabalho instalando uma pequenina câmera escondida no corredor e outra na sala da secretária. Mais tarde, pensou, pediria a Neves para instalar uma terceira dentro da sala dele, para maior segurança. Tomadas essas providências, sentou-se e começou a pensar. Ele teria que pensar em um modo de atrair o espião para aquela sala o mais rápido possível, mas sem alarmá-lo.
# Artur e Letícia também estiveram instalando suas câmeras e confabulavam constantemente. Terminada a tarefa, estiveram com D. Glorinha, que imprimiu para eles algumas folhas e passou-os para outra secretária. Artur passou todas as folhas à esposa e saiu da fábrica. Tudo isso levou uma manhã inteira. Na hora do almoço, Letícia convidou Josué para irem ao encontro do marido, no hotel.
# Após consumirem o almoço deliciosamente caseiro e conversar a respeito dos equipamentos eletrônicos mais modernos, Artur e Letícia ficaram mais expansivos.
# _Essa birutice do Neves de pagar a mais a um de nós é quase insultuosa _disse ela, pesarosa. # _Transforma a gente em concorrentes, quando devíamos trabalhar juntos. Gente como ele é bem capaz mesmo de pensar que só o dinheiro importa.
# _Não sei o que você pensa, Josué, mas acho que o mais eficaz seria trabalharmos juntos e dividirmos a recompensa. É um desperdício que dois de nós três façamos o mesmo trabalho.
# _Lá isso é verdade _Josué ponderou um pouco. _Não tenho esperanças de resolver isso sozinho e R$ 2.500,00 é melhor que nada.
# _Maravilha! _Letícia exclamou, feliz. _Vamos juntar o que fizemos até agora e decidir juntos o que faremos a seguir.
# Josué explicara que, além de instalar as câmeras e vigiá-las o tempo todo, tinha procurado se informar a respeito do movimento normal do corredor. Ali só havia as portas da sala de Neves, da secretária e de dois banheiros. Normalmente, só faxineiras e pessoas atrás de D. Glorinha ou Walter apareciam por lá.
# O casal mostrou os papéis que conseguiram.
# _Conseguimos uma lista dos funcionários admitidos recentemente e daqueles que sabem os tais segredos que o Sr. Neves quer guardar _começou Artur. _Liguei para uns amigos nossos para pesquisarem se algum deles já trabalhou para essa fábrica rival. Os que sabem oficialmente dos segredos são bem poucos, e eles não conhecem senão o segredo de um dos produtos. As fórmulas dos esmaltes e o método de fabricação dos mais famosos são desconhecidos da maior parte dos funcionários porque a produção é feita por etapas e os responsáveis por essas etapas não se vêem nem se comunicam.
# _Entendo. Ninguém sabe se o trabalho que faz é o “pulo do gato” ou não. Se alguém quisesse saber o segredo subornando funcionários comuns, teria que conseguir pelo menos um de cada etapa.
# _Certo _confirmou Letícia. _Por isso, queremos investigar especialmente os responsáveis por cada um dos produtos em primeiro lugar. O senhor teve uma excelente lembrança em notar que faxineiras têm acesso àquele corredor sem levantar suspeitas. Vamos vigiá-las também.
# _A idéia de atrair o espião foi uma sacada de gênio _Artur continuou, empolgado. _Precisamos pensar bem para criar um boato que deixe nosso homem lambendo os beiços. Por hoje, só nos resta esperar o resultado das investigações dos nossos amigos e ficar de olho nos suspeitos.
#

***
#
# A fábrica ficava fora da cidade, cercada por muros com cerca elétrica. Por isso, Josué achou estranho quando, no segundo dia, viu um homem se esgueirando em volta do prédio da fábrica, escondendo-se da vista dos porteiros e demais funcionários. Mostrou-o a Artur, que pôs o dedo nos lábios e disse, sério:
# _Eu já o vi. Ele esteve aqui dentro mais cedo. Se tentar entrar no escritório do Neves, faremos com que nos dê alguns esclarecimentos.
# A boca de Artur parecia santa. No terceiro dia, logo depois do almoço, as câmeras instaladas por eles mostraram que o tal estranho estava empenhado em arrombar a porta que dava para o corredor. Antes que ele pudesse terminar a tarefa, estava na mira de duas automáticas, uma de cada ponta do corredor.
# _Mãos na cabeça _ordenou Letícia, enérgica. _Quem é o senhor e o que está fazendo aqui?
# O homem obedeceu e respirou fundo para se refazer do susto. Tinha ficado branco. Artur e Letícia se aproximaram dele, mantendo-o na mira. Josué ficou atrás deles, preparado para agir em alguma emergência.
# _Sou Mário Salgado. Trabalho para a Polícia Federal. Estava apenas querendo instalar um câmera e alguns microfones naquela sala.
#
# Mais tarde, depois das devidas apresentações e trocas de credenciais, Mário explicou o que estava fazendo ali.
# _Gostaria que mantivessem o maior sigilo, até mesmo com o Sr. Neves. Estamos trabalhando em parceria com o FBI. Eles têm fortes razões para acreditar que um dos homens de sua lista de mais procurados chegará hoje aqui nessa fábrica. Digam-me, alguma vez no trabalho de vocês já ouviram o nome R. Black Cat?
# Os três negaram.
# _Ele é um espião que já deu muito trabalho aos EUA. Ninguém sabe para quem ele trabalha, nem o que faz com as informações que consegue, só sabem que ele é imbatível. De acordo com as informações que o FBI passou, é iugoslavo de nascimento, fala fluentemente uma dúzia de línguas, tem uns 18 anos, é bom atleta e tem um conhecimento profundo de computadores, sendo uma das maiores pedras no sapato dos hackers que trabalham para o governo norte-americano. Tem uma facilidade enorme de se disfarçar, a ponto de parecer não ter rosto. Tem mãos bastante leves e, às vezes, dá a impressão de que pode atravessar paredes, tal é a forma como faz as coisas evaporarem.
# “Fontes seguras disseram que ele vem para essa fábrica. Não sei o que ela tem de especial para ele, mas ele já deve estar aqui. Queremos descobrir o porquê e, de quebra, capturá-lo.”
# Ficaram todos em silêncio por alguns instantes. Foi Josué que o quebrou.
# _E nós estamos procurando um espião industrial. É possível que esse tal Black Cat seja um mercenário, conseguindo informações em troca de dinheiro para sobreviver?
# _Possível, é. Mas ele é muito bom. Um verdadeiro garoto-prodígio, de deixar os espiões do cinema verdes de inveja. Por que largar as intrigas internacionais, que devem render altos valores, para roubar a fórmula de um esmalte? _perguntou, depreciativo.
# _É... Se essa fosse uma indústria de enriquecimento de urânio ou o laboratório de uma faculdade... _suspirou Artur. _Mas numa fábrica de produtos para unhas... É um contra quatro, # Sr. Mário. Talvez possamos fazer um cerco contra o rapazinho.
#

***
#
# _Vocês acreditaram em tudo o que ele disse? _perguntou Josué, depois que o homem instalou seus aparelhos sob o olhar dos três e se retirou.
# _Claro que não _Letícia retrucou. _Ele pode ser nosso homem, com credenciais falsas e uma história esfarrapada. É um suspeito a mais para investigarmos e altamente suspeito. Um de nós precisa ficar de olho nele.
# _Eu fico _prontificou-se Artur. _Vou segui-lo que nem uma sombra. Continuem as investigações como antes e fiquem de olho nas câmeras.
# _Podemos revezar para vigiar as câmeras, como ontem _propôs Josué. _Está bom para você, Letícia?
# _Excelente. Vamos lá.
#

***
#
# Nada de anormal foi registrado por nenhuma das câmeras, durante todo o dia. Os três detetives se encontraram com o Sr. Neves à noite, antes de a fábrica ser fechada. Ele não estivera na fábrica naquele dia, visitando uma irmã doente em outra cidade.
# O gorducho empresário olhou para os três com os olhos saltados. Estava vermelho e roxo, sem fala, e apontava o cofre vazio. Quando finalmente pôde falar, disse, num tom rouco e terrível:
# _Minha irmã estava perfeitamente bem.
# Agarrou a roupa na altura do coração e tombou. Os três chamaram uma ambulância e o dono da empresa foi levado para um hospital.
#
# _Ninguém entrou no escritório do Sr. Neves. Nós mesmos vigiamos o tempo inteiro _Artur estava inconformado. _Vigiei aquela figura suspeita o dia inteiro, mas ele nem chegou perto da sala. Como ele nos escapou?
# Mário apareceu e foi colocado a par da situação em poucas palavras. Balançou a cabeça, aturdido.
# _É impossível! Vocês vigiavam as portas e eu vigiei a janela o tempo todo! Além disso, um homem meu não despregou os olhos das imagens que as câmeras lá de dentro mostravam e não viu nada incomum. Esses papéis não podem ter evaporado! Só se não sumiram hoje.
# _Ontem eles estavam no lugar _Letícia sentenciou gravemente. _O Sr. Neves conferiu antes de fechar a fábrica. E Artur e eu vigiamos as câmeras a noite toda.
# _Também vigiei a noite toda. Sou insone _reforçou Josué.
# _O que está feito, está feito _Mário disse, carrancudo. _Não vou desistir. Talvez haja uma chance de pegá-lo.
# Deu as costas e saiu. Quando ele já tinha dobrado o corredor, os olhos de Artur brilharam.
# _Sou uma anta! É claro! _virou-se para os companheiros. _Let, vem comigo. Josué, não afrouxe a vigilância! Tranque essa sala e fique com a chave do Sr. Neves. Encontre-nos no restaurante do hotel daqui a mais ou menos duas horas. Agora são nove horas... Às onze, está bem?
# _Está... Que idéia você teve?
# _Você verá.
#

***
#
# Onze horas. Josué entrou no restaurante. Olhou as mesas e logo encontrou Artur e Letícia em uma delas, conversando com Mário. Ele pegou uma caixa de papelão e saiu, cumprimentando os dois efusivamente. Passou por Josué e despediu-se dele com respeito.
# _O que deu nele? _perguntou aos dois.
# _Ficou feliz por ter posto as mãos no conteúdo do cofre e do computador de Neves _explicou Artur. _Era o que estava na caixa. E o bandido será preso.
# _Vocês encontraram R. Black Cat?!
# _Quem está falando de Black Cat? _perguntou Letícia, rindo. _O bandido é o Walter Neves. Não é à toa que ele deu aquela reação quando os papéis sumiram. Eles o incriminam até a raiz dos cabelos.
# _Não estou entendendo... _Josué começou.
# _Acetona _disse ela, simplesmente.
# _Acetona?
# _Para o refino de drogas. Você sabe, todos aqueles que usam acetona para fins comerciais ou científicos têm que declarar para a Polícia Federal quantos litros entram e saem. Neves fraudava os números e vendia acetona para produtores de drogas. Segredos industriais uma ova! Aqueles papéis continham o registro de toda a negociata do homem!
# _Ué... E quem tirou os papéis, então?
# _Nós _disse Artur placidamente. _Foi fácil. Hoje de manhã, liguei para Neves dizendo que sua irmã estava doente e era grave. No momento em que Letícia ficou responsável por vigiar as câmeras, arrombei a porta do escritório, abri o cofre e copiei os dados do computador. Brincadeira de criança.
# _Vocês já sabiam, então, o que Neves era?
# _Sabíamos. Queríamos provas.
# _Como descobriram? Vocês estão trabalhando para outra pessoa?
# Artur deu um sorrisinho malicioso e entregou um papel a Josué. Era um folheto, com um quadrinho destacado com marcador vermelho. No quadrinho estava escrito: “Nomes confirmados para as palestras do Simpósio Paulista de Criminologia: Artur e Letícia Belo, ...”. A data do simpósio cobria os três dias em que estavam trabalhando na fábrica mineira. Ele olhou para os dois com a testa franzida.
# _R. Black Cat? _sussurrou interrogativamente.
# “Artur” debruçou-se sobre a mesa e disse a Josué, em voz baixa:
# _Não acredite em tudo o que diz o FBI. O governo norte-americano gosta de criar intrigas onde elas não existem. São uns melodramáticos. Meus superiores não toleram guerras e bandidagem. Depois de investigar o tráfico na região, a agência descobriu que a Unhex estava de alguma forma mancomunada com o tráfico. Como estou de férias forçadas, pedi para ficar com a missão de conseguir provas disso. Sabe como é, desenferrujar um pouco as juntas.
# “Primeiro, pensei em simplesmente entrar na fábrica à noite e examinar os papéis, depois bastava uma denúncia à polícia. Só que a mensagem em que eu combinava alguns detalhes da tarefa foi interceptada e descobriram que eu estaria aqui. Como não sou bobo, passei uma mensagem falsa dizendo que chegaria aqui na fábrica hoje e me empenhei em fazer minha presença aqui parecer a mais natural possível. Se eu invadisse isso aqui, seria preso no ato.
# “Eu e Kitty, minha parceira aqui, espalhamos o boato sobre a espionagem industrial e sobre como a melhor coisa a se fazer é chamar um detetive particular para investigar. Interceptamos a ligação da D. Glorinha e descobrimos quem teríamos que imitar. Não contávamos é que o Neves, só por garantia, ia chamar outro detetive. Você estar aqui nos atrapalhou um pouquinho, mas conseguimos administrar sua presença aqui, seu Josué. Quando Mário apareceu, eu já estava com os papéis. Foi então que tive a idéia de “revelar” a Mário que estávamos trabalhando para outra pessoa e que descobrimos as falcatruas de Neves. Ele ficou satisfeito, já que, mesmo que não capture R. Black Cat, terá um sucesso para relatar, e eu fiz minha boa ação de hoje. ”
# Josué ficou um instante em silêncio.
# _Tenho duas perguntas.
# _Se eu puder responder...
# _Primeira: você trabalha para algum país?
# _Não. Trabalhamos salvando esse planetinha azul dos próprios habitantes.
# _Segunda: o que Mário disse a seu respeito é verdade?
# _Sim.
# _Tudo? Todos os detalhes?
# _Em cada mínimo detalhe. Por quê?
# _Até a idade?
# “Artur” entendeu onde ele queria chegar e sorriu.
# _Bem, nesse caso houve um pequeno engano. Quem tem 18 é a Kitty. Tenho 17.
# _Deus de piedade! _exclamou Josué, antes de se conter.
# _Minha família tem o histórico de morrer cedo. Decidi não perder tempo.
# Levantou-se, junto com a companheira. Josué ainda olhava para eles mal acreditando. Kitty ainda sorriu, bondosamente:
# _Espero não termos ofendido você em nenhum momento. Nós nos divertimos, espero que tenha se divertido também. Até qualquer hora.
# Os dois se despediram. Kitty levantou a gola do casaco e deu o braço a R. Black Cat, que deu um beijo em sua testa. Os dois saíram naquela noite gelada, enquanto Josué continuava brincando com o folheto do simpósio.
# _ Pelo menos vou ter o que contar pros meus filhos.
#

***
#
# Na rodoviária da cidade mais próxima da fábrica, uma jovem de traços levemente nipônicos saiu do banheiro, apertando mais o brinco. Abraçou um rapaz moreno, com o rosto primorosamente estragado pela maquiagem, que a esperava.
# Foram até um estacionamento, acertaram as contas e partiram. O frio, o horário – mais de meia-noite – e o silêncio fizeram com que não falassem. Só depois de muito tempo de estrada, a garota comentou:
# _Sabe, Robin, o que me deixou mais triste nessa história toda?
# _Não.
# _Alguns dos tons dos esmaltes da Unhex são únicos. Nunca vi um rosa-renda que me caísse tão bem quanto o deles.
# _Bolas, Kasami! Quanto mais você explica o que as garotas pensam e fazem, menos eu entendo. Suas unhas já são cor-de-rosa!
# _É um tom de rosa diferente, tolinho _brincou com os cabelos dele. _Você é um chato supereficiente, mas eu te amo, sabia?
# _Sabia.
# Kasami deu um pedala-robinho nele, fazendo o carro quase mudar de pista.
# _Convencido!

sábado, janeiro 06, 2007

Começando bem o ano



# Oiêssss!!! Este é o primeiro post do ano e já começo cumprindo uma promessa de ano-novo! Esta é a terceira e última história dos primos Harvey. Espero que gostem! (As outras duas estão nos posts "Dobradinha - 1" (ou 2? não lembro agora) e "Promessa é dívida". Bjos!
----------------------------------------------------------------------



O cliente de Dave


# O homem calvo e sério anunciou, com o peito inflado, todos os títulos do palestrante. Ítalo Harvey, a pessoa a quem o rosário de conquistas se referia, apenas empurrou o óculos mais para cima no nariz fino e apertou mais a gravata. Odiava a notoriedade.
# Mais alto que a média dos Harveys, era magro e desajeitado, com cabelos em cuia caindo sobre os olhos. Quando decidira entrar na faculdade de Física, seu professor lhe dissera, pessimista, que tudo já havia sido descoberto nessa ciência. O rapaz sugeriu, gentilmente, que a Física ainda não tinha sido usada para explicar a magia e recebeu em resposta uma risada e uma recomendação de deixar essa tarefa para “aqueles bruxos metidos”. Ignorando os sarcasmos, seguiu em frente e fizera incríveis descobertas ligadas à natureza da luz, ainda desconhecida em sua época. A fama viera a galope, pegando de surpresa o moço introspectivo e reservado.
# Tinha acabado de chegar a Hy Brazil, depois de uma longa jornada de palestras e conferências pelo mundo. Conhecera muita gente interessante, admiradores e céticos ferrenhos, surpreendera-se com o quanto um cientista pode se tornar “pop” com um pouco de mídia, divertira-se. A única coisa de que não gostava era a forma como sua imagem era exposta. Uma foto sua, mordendo um enorme pirulito enquanto passava fórmulas num quadro, ficara famosa nos quatro cantos do mundo.
# Subiu ao palco engolindo em seco e explicou pela enésima vez como chegara às suas conclusões e suas respectivas aplicações práticas. O tempo parecia se arrastar, mas ele tinha que cumprir uma hora e meia de qualquer jeito. Respondeu com um pouco mais de prazer as dúvidas finais e, tão logo agradeceram sua presença na Universidade Real de Morros Azuis, escapuliu sem olhar para trás.
# Quando já se imaginava fora do perigo de ser abordado por algum colega cientista, alguém tocou-lhe o ombro. Sobressaltado, virou-se e suspirou de alívio. Era Dave, um amigo de longa data, que lhe cumprimentava.
# _Ítalo! _disse ele, de bom humor _Vem pra Hy Brazil e nem avisa os amigos! Nem deu pra eu comprar um pirulito pra você _acrescentou, maliciosamente.
# _Esquece esse negócio do pirulito, Dave. É bom te ver, é o primeiro amigo que encontro.
# Dave suavizou ligeiramente sua habitual seriedade e sorriu de volta. Era um jovem muito bonito, mas com um aspecto desbotado por ser branco como um papel, ter cabelos loiros muito claros e olhos azuis aguados. Se não fossem suas roupas escuras, sumiria em frente às paredes. Caminharam um pouco em silêncio, quebrado pelo advogado.
# _E então, está com o resto da noite livre?
# _Eu ia jantar... _Ítalo lembrou-se de que era falta de educação convidar quem não podia comer para jantar. _...mas a gente pode passear um pouco, primeiro.
# _Bobagem! O dono do restaurante do Núcleo de Direito me conhece e sempre arranja alguma coisa.
# O Núcleo de Direito ficava no caminho, mesmo, então ele não reclamou. Sentaram-se em uma mesa para dois e foram prontamente atendidos (o dono não se arriscava a demorar com os estudantes de Direito, com medo de ser processado). Ítalo olhou apreensivo para o companheiro e surpreendeu-se quando ele pediu chá. Notando o olhar dele, Dave explicou placidamente:
# _Há certas ervas cujo chá eu posso beber. A gente realmente aprende muita coisa quando tem que se virar na faculdade. E então, o que você fez nesses meses todos?
# O físico explicou muito resumidamente, pois já estava cansado da própria voz. Terminando de contar como fugiu do assédio de umas meninas de moral duvidosa na Gália, resolveu que era hora de devolver a pergunta.
# _E você? Tem pegado muitos casos?
# _Um bocado. Mês passado...
# O garçom chegou com um prato de sopa para Ítalo e um copo cheio de algo vermelho vivo, que entregou para Dave.
# _Mr. Andreas mandou avisar que não tem chá fresco ainda, mas que talvez você prefira isso, Mr. Johnson.
# _Obrigado, Harry. _Passou o copo sob o nariz com ar de degustador de vinhos. _ Abatido hoje. Acho que dá pra encarar. Agradeça o Ted por mim.
# O rapaz se retirou após anotar os pedidos nas comandas. Ítalo evitou olhar para o conteúdo do copo e fez uma careta quando ouviu o amigo dando o primeiro gole. “Bem,” pensou, filosoficamente, “quando se trata de jantar com um vampiro, antes isso que o meu pescoço. Deve ser desagradável também para ele ver os outros mastigando coisas, já que ele não pode comer...”.
# _Você dizia, Dave...
# _Oh, sim, mês passado... _longa explicação a respeito de um processo por calúnia e difamação. _...e hoje mais cedo, assim que abri o escritório, entrou um menino me pedindo para defender o caso dele. Você ouviu falar do assassinato de Mr. Wilson?
# _Wilson, Wilson... Não, cheguei a Hy Brazil hoje e ainda não soube nada do que aconteceu nos últimos meses. Esse nome me é familiar... Mas não ligado a um crime.
# _Você tem boa memória. Ricardo Wilson já era muito conhecido na província do Porto como inventor, mas resolveu tentar a sorte na cidade grande, vindo para Morros Azuis.
# _Bem que senti um bafejo portenho no “Ricardo” _comentou Ítalo. _Sim, creio que ouvi algo sobre ele, quando eu ainda me metia a inventor. Mas faz muito tempo.
# _Mais de dez anos _confirmou o advogado. _Ele andava meio decaído nos últimos tempos. Não produzia grande coisa, pelo menos, nada prático o suficiente para ser vendável. Sobrevivia emprestando dinheiro a juros. Por aí, você faz uma idéia de quantos amigos tinha na vida.
# _E um desses “amigos” resolveu acertar as contas com ele?
# _É o que parece. Há quatro dias, vencia o aluguel de seu apartamento e o dono foi lá cobrar. A porta estava destrancada e esse senhor entrou... Para dar com o cadáver de Wilson com um afundado na parte posterior do crânio. A arma do crime estava jogada no chão, um bastão pesado de ferro que ficava pendurado no teto e tinha sido arrancado de suas cordas. O negócio parecia ser parte de um invento recente. O médico da polícia afirma que o homem morreu mais ou menos meio-dia, uns quinze minutos antes ou depois, no máximo.
# “Não foi difícil procurar um responsável. Cerca de meio-dia, um garoto com seus dezoito anos esteve lá para pedir a prorrogação da dívida de sua família com o homem, coisa que Wilson se recusava terminantemente a conceder já há algum tempo. Esse menino era Devlin Fang... Conhece os Fang?”
# _Intratáveis como seres humanos, bestiais como lobisomens. Quem nunca ouviu falar? E, se não me engano, foram os Fang que quase fizeram você, o Victor e o resto do pessoal de lanchinho quando vocês eram crianças, não foi?
# _Sim, eles mesmos. Você sabe que não é pouco crível que o jovem Mr. Fang tenha tido uma discussão acalorada com Mr. Wilson, posto as mãos na primeira arma que pôde alcançar e quebrado a cabeça do homem. A situação era desesperada. As famílias de lobisomens estão quase sempre na pindaíba por causa desses idiotas que se recusam a dar a eles até empregos diurnos.
# _E ele foi pedir para você defendê-lo? Pensei que os Fang seguissem a velha cartilha de que vampiro bom é vampiro morto.
# _Seguem, de fato. E foi por isso mesmo que não dei uma resposta definitiva a Mr. Fang. Todos os indícios estão contra ele; ele tinha um motivo forte e a oportunidade. Mas simples fato de ele ter vindo a mim protestando inocência me deixou com um pé atrás. Só que, sinceramente, não consegui encontrar outra versão para o assassinato. Mr. Fang foi o único que visitou Mr. Wilson aquele dia, o porteiro do prédio jura, e o próprio rapaz não nega que esteve lá perto do meio-dia. Segundo a versão dele, Wilson já estava morto quando ele chegou lá. Diz que pegou a barra de ferro porque ela atravancava a porta e só percebeu a morte após ter entrado no quarto e se aproximado do homem. Confesso que estou sem saber o que fazer. Vou para a casa de Wilson ver as coisas com meus próprios olhos, quer ir junto? Uma companhia não vai fazer mal.
# Ítalo refletiu por uns instantes. No fim de semana, estava marcada uma pequena reunião de família com seus primos e tios. Lídia também iria e ele sabia que ela teria muito que contar. Seria legal se ele tivesse uma experiência criminal para expor, para variar um pouco e para não se ater muito ao inevitável tema de Ciência.
# _Bem, não custa. De meia-noite às seis da manhã não faço nada, mesmo.



***



# Ricardo Wilson morava em um apartamento pouco luxuoso em um prédio de dois andares. Os apartamentos só tinham basculantes redondos. Isso punha por terra qualquer hipótese de que alguém pudesse ter pulado o muro baixo entre o prédio do infeliz e o vizinho e entrado no apartamento sem o porteiro ter visto.
# Dave e Ítalo entraram, depois de trocar algumas palavras com o porteiro. Certificaram-se de que só havia uma porta de acesso ao apartamento e que havia um bocado de trancas que não pareciam ser muito usadas. Entraram no três-cômodos e a primeira constatação é a de que Wilson não era organizado. O cômodo principal servia como sala, cozinha e gabinete. Estava cheio de barras de metal penduradas pelas duas pontas, algumas bem compridas, uma das quais tinha sido a arma do crime. Uma mesa feita de escrivaninha estava cheia de papéis, lápis e objetos diversos. O corpo estivera na cadeira de rodinhas em frente a ela.
# A arma do crime tinha sido uma barra pendurada como as outras. Ítalo observou com interesse as cordas finas que prendiam as barras. Ou ele estava muito enganado, ou era um material novo. Parecia feita de fios de náilon enrolados. Havia dessa corda por todo o cômodo, esticada, pendurando coisas, esmagada por pregadores de metal... Logo, Ítalo entendeu: Wilson devia estar testando a resistência dela, para ver se era aproveitável comercialmente.







# Dave estava examinando a cadeira em que Wilson estava sentado e as fotos do ferimento da cabeça dele.
# _É estranho... Estou dando tratos à bola e não consigo pensar em uma posição de mãos que produza um afundado na cabeça como esse das fotos. Devlin reclamou que a porta não se abria toda por causa da barra de ferro. Ela pode ter rolado, a casa tem caída para o lado da porta e uma barra no chão rolaria naturalmente para lá _reparou que Ítalo estava embevecido na contemplação da prateleira de invenções e girou nos calcanhares para protestar. _Ítalo, você nem está...
# Um agudo barulho metálico chamou a atenção do físico, que se virou a tempo de ver a careta de dor de Dave: ao se virar, ele tinha batido a cabeça em uma das barras que ainda estava pendurada no teto.
# _Tudo bem, Dave?
# _Nada que não suma logo _massageou a testa. _Wilson devia ser baixinho. Essas barras são um perigo! Ele tinha um senso de decoração bem esquisito...
# _Não era decoração, ele estava testando isso _pegou um carretel com vários metros da corda e desenrolou um pouco. _Pode partir um pedaço de dois palmos para mim?
O advogado mediu e tentou partir com as mãos. A corda esticou muito, mas não partiu. Aborrecido, usou seus dentes afiados para cortá-la. Ítalo agradeceu e examinou o pedaço mais de perto.
# _O que você quer com isso? _perguntou Dave, curioso.
# _É estranho, meu amigo... Você é forte como vinte homens e não conseguiu partir isso facilmente. Fico imaginando como Mr. Fang, que fora da Lua cheia é um rapaz normal, conseguiu arrebentar as duas cordas que sustinham a barra.
# Dave fez que ia assobiar e examinou as cordas partidas.
# _Você tem razão. Quem ou o que partiu isso aqui, fez sem puxar. Ou puxou com muito mais força que um moço normal. Se eu usar toda a minha força e puxar com um arranco, creio que posso partir isso sem esticar, mas garanto que um ser humano não faria isso, nem mesmo se fosse o mais forte do mundo.
# Ítalo pegou uma banqueta e subiu para examinar as pontas também. Estava de costas para a escrivaninha, onde Dave examinava os papéis de Wilson referentes à tal corda. Interrompeu-se ao ouvir uma exclamação do amigo.
# _O que foi?
# _Por que Wilson trocou o vidro de sua janela?
Ítalo desceu da banqueta e levou-a até o basculante. Lá, deu um soco nele, que mostrou que ele era feito de um vidro grosso, convexo, dificílimo de ser quebrado. Era o tipo de vidro que não se encontrava todo dia. As janelas de outros andares, por exemplo, eram feitas de um vidro simples, com uma camada de reflexivo, como andava na moda.
# _Boa pergunta... O basculante é pequeno o suficiente para que ninguém consiga entrar. Talvez ele quisesse se prevenir contra balas. Veja _abriu o basculante. _Se a pessoa atirar no ângulo certo, dá pra acertá-lo enquanto ele estiver aqui onde estamos.
# _É verdade _disse Ítalo, com um acento de voz esquisito. _O ângulo certo... As janelas...
# Saiu do quarto sem aviso e examinou detidamente o prédio de Wilson e o prédio ao lado. Quando Dave o alcançou, Ítalo pediu, sem desviar o olhar:
# _Você pode pegar uma fita métrica para mim?
# Surpreso, o advogado pegou a fita e voltou à rua. Ítalo começou a medir a distância entre os prédios, a altura das janelas e até pulou o muro para o prédio ao lado para fazer novas medidas. Sempre murmurando, entrou novamente no apartamento de Wilson e se sentou à mesa. Empurrou os óculos mais para cima, abanou a cabeça para afastar os cabelos dos olhos e começou a fazer cálculos frenéticos. Com uma exclamação satisfeita, levantou-se da mesa e virou-se para o amigo.
# _Acho que eu já sei quem é o assassino, Dave, mas receio que não possamos prendê-lo.
# _Pode parar! Não estou entendendo bulhufas.
# _Física elementar _explicou Ítalo, placidamente. _Se você pudesse estar aqui amanhã de manhã, onze horas, digamos, poderei mostrar o assassino atacando novamente. Eu sei que é difícil pra você... Precisarei de alguns preparativos. Só que deverei mexer em algumas provas do crime, por isso seria bom um policial estar aqui também.
# _Posso conseguir isso. Tem que ser de manhã?
# _É absolutamente necessário.
# _Certo. Estaremos aqui amanhã, às onze horas.


***


# Às onze horas do dia seguinte, Dave, Ítalo e o inspetor Longfellow chegaram ao apartamento de Wilson. Dave entrou rapidamente, com um capuz sombreando seu rosto, ansioso por retirar toda a roupa que o protegia do Sol. O dia estava quente e a caminhada fizera com que ele se esquentasse ainda mais. Darren o seguiu, mas Ítalo deixou-se ficar do lado de fora, observando os prédios. Vários minutos depois entrou e se juntou aos amigos.
# _E então, Ítalo? _o inspetor perguntou, sorrindo. _Vai nos dizer o que pretende fazer?
# _Acho melhor não. Em certas coisas a gente só acredita vendo. O que eu quero é reconstituir a cena, tal como estava antes de Mr. Wilson morrer. Vocês podem me ajudar? Primeiro, vamos desamarrar do teto as cordas onde estava a barra que matou o homem. Agora, amarraremos outras, do mesmo tamanho que as originais. Acho que aquela barra naquele canto é praticamente do tamanho da que estava aqui, pegue-a pra mim, Dave. Agora, eu amarro ela aqui, exatamente como a arma do crime estava amarrada. Pronto! Só precisamos de algo para representar a cabeça de Wilson... Que altura ele tinha?
# _Era baixo... Do seu tamanho mais ou menos _respondeu Darren.
# _Então vamos ver... Meça a altura do topo da minha cabeça ao assento, por favor.
Com a medida em mãos, Ítalo pegou um monte de tranqueiras e construiu uma espécie de cabide improvisado. Fincou um busto de gesso no topo, mais ou menos onde a cabeça de alguém sentado estaria. Tirou o relógio do bolso, consultou e fechou-o, decidido.
# _Quase na hora! _abriu um pouco o basculante. _Vamos ficar ali perto da pia. O assassino de entrar em cena logo.
# _Ele vai voltar aqui?! _perguntou Dave, espantado. _Mas por quê?
# _Porque não pode evitar de voltar... Vejam!
# Estendeu o dedo para a barra. No início, os companheiros não viram nada anormal, mas logo ficou claro o que Ítalo mostrava: o basculante redondo estava funcionando como uma enorme lente de aumento, focalizando os raios de sol que o atingiam sobre a corda que prendia a barra. Na medida em que os minutos passavam, a luz se tornou mais intensa e os fios da corda começaram a derreter e arrebentar um a um. Logo, os restantes não suportaram o peso da barra e sua ponta se soltou. Atingiu com um estrépito o busto de gesso, fazendo um buraco enorme nele, que caiu do suporte em seguida.
# Dave e Darren iam falar algo, mas Ítalo suspendeu o braço para impedi-los e apontou para a outra corda que sustentava a barra. Agora, os raios de sol estavam focalizados nela. Mais alguns minutos e essa corda também foi rompida. A barra caiu com um estrépito no chão e rolou até a porta.


***



# _Ufa! _Ítalo secou o suor da testa com o lenço. _Não esperava que a demonstração fosse tão boa.
# _Perfeita _Dave comentou, lacônico.
# _Foi fantástica _disse o inspetor Darren, brandamente. _De onde você tirou essa idéia, meu garoto?
# Ítalo baixou os olhos e empurrou os óculos nariz acima.
# _É que quando eu fui ver as pontas das cordas da barra que matou Wilson, vi que elas tinham a aparência de náilon derretido. Vocês também teriam essa lembrança, se tivessem tentado passar a ferro a meia de náilon da mãe de vocês...
# _Você passou a meia de náilon da sua mãe com ferro? _Dave perguntou, com um meio sorriso. # _Eu não sabia que era de náilon _sorriu, sem jeito. _Mas como eu dizia, quando estava pensando em como a corda poderia ter sido derretida sem Wilson ver, dei com o basculante. Ele é uma lente biconvexa gigante! Pensem bem: quando somos crianças, usamos essas lentes para queimar papel. É uma brincadeira que quase todo mundo deve ter feito alguma vez na vida. Se eu pudesse provar que luz do Sol atingia a lente e era focalizada sobre as cordas, podia provar que ela causou a morte de Wilson. Fiz cálculos envolvendo distâncias e ângulos. Não imaginam a minha felicidade quando descobri que o horário que o Sol atingia o ângulo adequado era justamente próximo ao meio-dia! Fiz esse esquema, o raio amarelo é o raio de sol. As retas cinzas são as normais das lentes. O x vermelho é onde estava, aproximadamente, a corda da barra. Os segmentos azuis são os basculantes abertos.




# _Você é um gênio, Ítalo! _Dave disse, com os olhos brilhantes. _Pode afirmar isso sob juramento, no inquérito?
# _Posso _respondeu, firmemente. _Não sou um físico especialista em ótica, mas posso afirmar que é possível a luz do Sol ter derretido as cordas. Basta que os basculantes em que a luz reflete estejam abertos para refletir a luz no ângulo certo. Como os dias têm estado quentes, não houve dificuldades em conseguir isso, as pessoas abrem os basculantes naturalmente.
# _Excelente. É o que preciso. Que me diz, Darren?
# _Acho que podemos fechar o caso como acidente. Claro que precisarei consultar alguns especialistas, mas... Confio no Ítalo. Sei que concordarão com ele _levantou-se. _Preciso ir, ando meio ocupado ultimamente. _Fez uma pausa e suspirou. _Sabem qual a minha maior tristeza? _olhou para eles e sorriu. _Que nenhum de vocês tenha entrado para a força policial de Hy Brazil. Estamos precisando de uma renovação, urgentemente.
# Deu as costas, colocou o chapéu e saiu. Logo que ficaram sozinhos, Dave sorriu maliciosamente para Ítalo.
# _Estive com a Lídia ontem, sabe? Logo depois de deixar você. Ela estava com a Natty e me contou que no fim de semana vai haver uma reunião de família dos Harvey...
# Ítalo corou.
# _É. Acredito que a Lidi tenha convidado você, se não o fez, eu convido.
# _Convidou. É que a Natty me disse umas coisas depois do jantar e estive pensando... É um bocadinho de coincidência a Lidi estar em turnê por aqui bem quando você está chegando da sua “volta ao mundo”, não? E acabei me lembrando que primos são parentes mas não fazem parte da família*. A gente se esquece, mas casamento de primos, mesmo que eles tenham sido como irmãos quando crianças, não é incesto...
# Ítalo corou mais ainda.




* Os britânicos colonizaram a maior parte de Hy Brazil e, na língua inglesa, família (“family”) são só pais e irmãos. Primos e etc. são “relatives”, ou seja, parentes.