segunda-feira, outubro 23, 2006

Esse é obrigatório

Oiêss!!!!! Como ainda não acabei as histórias dos Harvey, aí vai o meu primeiro conto curto (antigo pacas, mas enfim...), que já postei no meu antigo fotolog, numa lista de discussão e meio mundo já leu. Detêm o recorde de uma página de word e dois parágrafos: nenhum outro conto meu é menor. Ou melhor, "É aqui" é menor, mas acho que ele se enquadra melhor na categoria de crônica. Qualquer hora, posto pra vocês mesmos julgarem.

Uivos

#Cheguei tarde aquela noite. Um acidente de trânsito envolvendo um motoboy e um alguém que bebeu além do ponto causou um enorme engarrafamento. Que ainda não tinha terminado quando desci do ônibus e resolvi vir embora a pé. Cheguei tão exausta que nem vi a pia lotada de vasilhas, as bolas de pêlo voando chão a fora, o cesto de roupas cheio... Meu banho nem de longe foi quente e relaxante, se eu não poupasse energia, ela seria cortada por falta de pagamento.
#Já havia me largado na cama, feita há mais de uma semana e cheirando mal pelas noites que desabei suada, sem ânimo para tomar banho. #Estava de olhos fechados quando ouvi um uivo. Longo, sentido, profundo... Saltei da cama como se tivesse levado um choque e fui até a janela. À minha frente, a janela de um edifício. Ao meu lado, também. Do outro, a parede do meu próprio apartamento (apartamento? Um apertamento, isso sim!) e lá em cima, bem lá em cima, um pedacinho do céu coberto de nuvens, numa palidez mortiça. A Lua estava crescente, com um brilho opaco por causa das nuvens.
#Respirei fundo aquele ar pesado e sufocante, bem diferente da minha amada cidadezinha natal. Não ouvi o uivo de novo e fui me deitar, contrariada. Dormi o sono pesado e sem sonhos de quem teve um dia estressante e mil problemas financeiros a atormentar.
#Na noite seguinte, entrei em casa já devorando um pão com presunto. A fome falara mais alto. Apenas joguei água fria no rosto, amarrei o cabelo, pus um pijama. Antes de alcançar a cama, o uivo. Ainda mais carregada de emoção. Estremeci, mas o ignorei, prosseguindo. De novo. Parei. Mais uma vez. Estava me chamando? Pus a cabeça para fora da janela e busquei a direção do uivo. Onde estava o cachorro? Era cachorro? Ora, é claro que é, o que poderia ser? De rua? Em plena Belo Horizonte, não. Estaria atropelado ou na carrocinha. E que prédio aceitaria um cão que uiva tão alto? Pensando bem, naqueles formigueiros humanos com, às vezes, mais de dez apartamentos por andar e brigas constantes, alguém notaria o cão?
#Ah, minha Antônio Carlos! Saí de lá em busca de emprego, vendi a casinha que herdei de meus pais para começar a vida na capital, e agora? Chorei desamparada e quis responder aos uivos naquele mesmo tom sentido, mas o impulso se foi e apenas chorei. Melada de suor e lágrimas, finalmente dormir.
#Na noite seguinte, não quis voltar para casa (aquele buraco de periferia não era minha casa!), mas o cansaço me obrigou. Antes de entrar, olhei para a Lua. Quase cheia. O outro dia seria o plenilúnio.
#Assim que cruzei a entrada, o uivo. Sentei-me na cama e enterrei minha cabeça nas mãos. Dessa vez, não morreu meu impulso de respondê-lo e pus toda a minha angústia e saudade na voz. Ao me sentir mais aliviada, lembrei-me dos acontecimentos de cinco dias atrás: comia um sanduíche de presunto (não sei se deu para perceber que é meu favorito), quando um vira-lata começou a me seguir. Parecia um lobo, mas tinha as pernas muito compridas e um tom dourado no pêlo. Com pena, dei-lhe um pedaço do meu sanduíche. Ele avançou com tal voracidade que por pouco não arrancou meus dedos. Tive que enfrentar uma fila de posto de saúde para ser mal atendida e levar uma vacina anti-rábica. Um dia inteiro para isso!
#Engraçado como eu me lembrava desse incidentezinho naquele momento! Retirei os bandeides de meus dedos e não vi machucado nenhum. Desapareceram?
#Na próxima noite, não voltei para o apartamento. Logo que o disco lunar surgiu triunfante entre as nuvens, corri feito louca. Não esperei o ônibus que me levaria ao metrô que me levaria a outro ônibus. Saí de lá pela cidade, era só saudades da minha terra. Encontrei o cachorro que uivava. Era o mesmo que me mordera. Senti-me tão igual a ele que me assustei. Desandei a correr sem perceber que começava a andar de quatro.

***

#Acordei com uma solidão maior que nunca. Porque compreendi a verdade: a Lua se fora, mas eu não deixaria de ser um animal. Nunca.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Dobradinha - 2

Deixa eu fazer uma pergun# Agora, o meu continho. É o primeiro de uma pequena série que quero fazer com os três primos Harveys. Os outros dois já estão a caminho!


>>> O conto que estava aqui, O Diamante Laranja, foi publicado na coletânea Paradigmas 4. Yay! <<<<

Dobradinha - 1

Vou postar hoje uma dobradinha: o primeiro texto é de uma escritora que admiro muito e que tem tudo para crescer bastante no ramo: a Rita. Mais para frente, vou escolher alguns dos contos dela que mais gostei até hoje e colocar aqui, mas só quando eu estiver em Barbacena com meu PCzinho lindo do meu coração! (risos)

Segunda Versão
Por Rita Maria Felix da Silva


— Você parece cansada.
— Um pouco. Muito trabalho nessa fase do projeto. E você é muito
preocupado
comigo... Mais que o normal.
— Gosto de você.
— Eu sou casada.
— E está pensando em pedir divórcio de um de seus quatro maridos, não
é?
— Sim, mas não sei quem lhe contou. Olha, você é legal, um bom amigo,
mas...
Deixa para conversarmos sobre isso depois. Veja só: ela está quase
completa!
— Ainda me pergunto porque sugeriram que começássemos com uma fêmea...
— Por favor... Machismo não combina com você. E em muitos mitos da
criação,
por toda a Galáxia, tudo começa com uma fêmea.
— Hum... No caso da espécie dela, havia vários mitos em que o começo é
um
macho. Mas não quero discutir Mitologia. O que importa é que ela atinge
a
puberdade ainda hoje. Talvez antes do crepúsculo dos sóis gêmeos, vamos
poder acordá-la.
— Nós a desenvolvemos do zero a partir de seqüências de DNA. Hoje vai
ser
como o nascimento para ela. Me pergunto como ficam detalhes tipo a
personalidade, a psique...
— Deixa que a equipe de Psicologia cuide disso. Estou com fome. Vem
comigo
ao refeitório? Aproveitamos para continuar aquela conversa.
— Certo.Os computadores podem continuar deste ponto. Vamos lá. Não se
maravilha com o que estamos fazendo aqui?
— É só um trabalho. Me pagam e eu faço.
— Me preocupa a controvérsia envolvendo este experimento, toda aquela
discórdia no Conselho Galáctico sobre o aspecto moral de trazer de
volta,
através de clonagem, espécies extintas. Essa prática havia sido
abandonada
faz muito tempo e nós estamos recomeçando justamente por um dos casos
mais
polêmicos...
— Deixa os políticos brigarem. Sabe, cresci ouvindo histórias sobres os
seres humanos. Nunca me empolgaram.
— Também cresci ouvindo isso. Ora me encantavam, ora me horrorizavam,
mas
sempre fui fascinada por eles. Já tem um nome para nosso espécime?
— E precisa?
— Claro. Lembrei de um mito humano da criação. Acho que poderíamos
chamá-la
de “Eva”.
— “Eva, a primeira da nova espécie humana”. Soa bem.
— Ei, me ocorreu uma coisa: quando ela souber que nós a “fizemos”, vai
pensar que somos algum tipo de “deuses”... Não é engraçado?
— Por favor, não diz uma besteira dessas para mim. Afinal, eu sou ateu.

FIM
Dedicado a Agnes Mirra